Não é de hoje que os exercícios físicos são associados ao combate da depressão. Um dos motivos por trás desse efeito é a maior liberação de substâncias como serotonina, dopamina e endorfina, que causam uma sensação de bem-estar. Mas um novo estudo publicado na revista científica Frontiers of Psychology reforça que os ganhos podem ir além.
Os exercícios podem alterar certos padrões do cérebro e, assim, reduzir os sintomas depressivos, de acordo com experiência conduzida por pesquisadores da University Clinic for Psychiatry and Psychotherapy at Ruhr-Universität Bochum (RUB), na Alemanha.
“Há muitos estudos que relacionam a atividade física com a melhora o humor, mas esse trabalhou investigou se o exercício também é capaz de aumentar as conexões entre os neurônios, as chamadas sinapses, e a sua plasticidade, que é capacidade de mudança do cérebro”, conta o neurocirurgião Marcelo Valadares, pesquisador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Na prática, a tal plasticidade favorece os processos de aprendizado e adaptação, importantes para evitar a perda de interesse por atividades básicas e a desmotivação – e ela aparece diminuída em indivíduos com depressão quando comparados com pessoas saudáveis.
Voltando à pesquisa: as avaliações foram conduzidas com 41 pessoas, que se dividiram em dois grupos. Um deles fez sessões de exercícios de uma hora, três vezes por semana. Estavam na agenda atividades ligadas a coordenação, resistência e fortalecimento. Além de variado, esse programa tinha um perfil mais divertido e, embora exigisse trabalho em equipe, não havia caráter competitivo.
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Em comunicado oficial, Karin Rosenkranz, líder da experiência, comentou que isso promoveu especificamente a motivação e a união social, quebrando o medo de desafios e experiências negativas com a atividade física – algo que muitas pessoas vivenciam na escola.
Já o segundo grupo se dedicou apenas a práticas cognitivas, como jogos e cruzadinhas, por 90 minutos, duas vezes por semana.
Para entender as reações cerebrais a esses estímulos, foram feitos diversos exames ao longo do processo, como o de estimulação magnética craniana. “O aparelho ativa os neurônios e avalia quais áreas dão melhor resposta”, explica Valadares.
Após as análises, os cientistas notaram que a plasticidade cerebral melhorou significativamente com a prática regular de exercícios físicos, chegando a valores similares a de indivíduos saudáveis. Em paralelo, os sintomas depressivos diminuíram. Essas alterações não foram tão pronunciadas na turma que focou nos jogos cognitivos.
Hoje, movimentar-se já é visto como parte do processo de cura, defende a educadora física Monica Marques, diretora técnica da Cia. Athletica, em São Paulo, e membro do Global Health and Fitness Association (IHRSA). “Não é mais complemento, é parte do tratamento. Muitos alunos chegam com indicação de seus médicos”, nota a expert.
Como dar o primeiro passo
A escolha do tipo de esporte e o início da atividade são questões que devem ser avaliadas com a ajuda de médicos e educadores físicos, até porque a depressão tem diferentes causas e níveis. “É muito difícil conseguir que alguém com um quadro grave tenha práticas regulares antes do tratamento”, explica o neurocirurgião.
Para casos moderados e leves, os exercícios também são mais do que bem-vindos, e devem ser vistos como aliados da psicoterapia e de medicamentos indicados pelo psiquiatra, quando necessários.
Quanto mais apurado o diagnóstico, melhores serão as decisões. “Quem está muito estressado ou ansioso pode começar com exercícios de relaxamento, como ioga ou meditação, porque muda o padrão respiratório. A natação é outra opção, porque estimula a pessoa a manter o ritmo a cada braçada”, sugere Monica.
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Exercícios que contribuem com a interação social também são excelentes, como demonstrou a pesquisa alemã. “Práticas coletivas e com música, principalmente, dão essa sensação de acolhimento. Dança e hidroginástica são exemplos”, indica a diretora da Cia. Athletica.
Caminhar, correr, pedalar e nadar merecem entrar no rol de possibilidades: são atividades cardiorrespiratórias que ajudam no combate à insônia, à perda de memória e ao ganho de peso, situações comuns na depressão.
No fim das contas, o principal mesmo é decidir pelo esporte que proporciona mais prazer.
Quem acha que está pronto para apertar o passo ou intensificar o ritmo, no entanto, precisa antes passar para um cardiologista. “É necessário verificar como está a saúde”, lembra Valadares.
Menos obrigação e mais recompensa
Tirar a pressão por resultado do exercício é fundamental para estimular quem está deprimido. Cada novo passo que se dá é importante para a evolução do tratamento.
De início, o foco deve ser na consistência. Fazer uma atividade física por 15 minutos diários é melhor do que suar a camisa por duas horas, só uma vez por semana. A frequência ajuda inclusive a mudar um hábito. Se a pessoa sedentária pula direto para duas horas de academia, a tendência é desistir e voltar para a inércia, porque esse momento será visto mais como uma punição do que um hobby.
“O nosso corpo é desenhado para conservar energia. Ao começar uma atividade, qualquer pessoa sentirá uma fadiga subjetiva, que é cérebro dizendo que prefere se preservar. Fazer mudanças graduais é uma forma de ‘enganar’ esse sistema”, explica o psiquiatra e nutrólogo Frederico Porto, de Belo Horizonte.
“Há uma campanha da Organização Mundial da Saúde chamada ‘Every Move Counts’ [Todo Movimento Conta], que é justamente para desconstruir a ideia de que a pessoa só terá bons resultados se cumprir a meta dos 150 minutos de exercícios semanais. Ganhar massa muscular e emagrecer não é mais importante do que manter uma boa saúde mental e emocional”, completa a professora.
Pensar em facilitadores para a prática é outro ponto fundamental. “Não adianta se matricular em uma aula presencial do outro lado da cidade”, exemplifica Porto.
Mas é bacana ter certa organização, estipulando um horário fixo para se mexer. Isso reduz o risco de desistência ao longo do dia. E quando bater a preguiça, pense na sensação de prazer que invade o corpo depois do fim da sua atividade favorita. Ela sempre vale o esforço.