Vergonha, medo, ansiedade… Para algumas pessoas, esses são sentimentos comuns ao pisar em uma academia, box ou estúdio fitness.
O termo “fobia” geralmente é associado a pavor de altura, de animais peçonhentos, de lugares fechados ou até mesmo de agulhas. No entanto, sensação semelhante pode ser deflagrada ao entrar em espaços que representam algum tipo de intimidação, como o palco da famosa musculação.
Para a analista de processos Mariana Lima, de 32 anos, malhar sempre foi uma história de idas e vindas. E o motivo das desistências se repetia.
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“Academias em geral são ambientes em que você vai chamar atenção se não estiver dentro de determinado padrão. É assim que me sinto, como se todos ao redor estivessem reparando em mim por estar no meio de tanta gente magra e com o corpo definido”, diz.
A mineira conta que as primeiras tentativas ocorreram ainda na adolescência — e, desde então, nunca foi fácil. “Sempre fiz questão de usar roupas largas, para ver se assim meu corpo fica camuflado e talvez não percebam que sou gorda”, relata.
Para pessoas como Mariana, o lugar que, em tese, serviria para cuidar de si e da saúde se converte em centro de tortura psicológica.
Pressão estética
Podemos pensar em dois fatores que se combinam com frequência e resultam em receio ou ojeriza à academia. Um tem a ver com o ambiente em si; o outro com a personalidade e o estado emocional.
Fato é que os locais de treinamento físico, estimulados pela dinâmica fotogênica e idealista das redes sociais, reúnem elementos que amplificam a pressão estética. É o caso da promoção de corpos ideais e de padrões de beleza, que instigam (quando não obrigam) todo mundo a se comparar e a entrar no mesmo barco.
Uma pesquisa realizada pela agência OnePoll, no Reino Unido, mostrou que, de 2 mil adultos que não praticam exercícios, 68% sentem vergonha de ir à academia por acreditarem que não se enquadram nos moldes de um frequentador “típico”, ou seja, se sentem fora de forma ou do padrão.
No levantamento, 20% responderam que publicidades esportivas mais realistas seriam um incentivo para sair do sedentarismo. Para um número ainda mais expressivo, ou 78% dos participantes, as propagandas e postagens atuais não são motivadoras — pelo contrário.
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Na leitura do psicólogo Maycon Torres, do Laboratório de Psicanálise e Laço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), embora a musculação seja uma prática essencialmente individual, o espaço onde ela acontece tende a reunir pessoas com os mais diferentes corpos e níveis de habilidade física.
“Isso pode gerar uma sensação de não pertencimento ou estranhamento ao grupo”, afirma.
Essa percepção, também descrita como uma inconformidade, ocorre principalmente entre aqueles que se encontram em pontos extremos da balança: muito acima ou abaixo do peso.
“A forma de se relacionar com o corpo certamente influencia a adesão ou não a esses exercícios”, observa Torres. Além disso, o psicólogo explica que, em alguns casos, a intimidação está associada a um quadro chamado transtorno de ansiedade social.
“A condição tem como principal característica uma preocupação excessiva com o julgamento alheio. Então o sujeito evita, ou suporta com muito sofrimento, situações em que se sinta avaliado”, traduz o pesquisador.
Assédio
Para mulheres, a busca por bem-estar dentro das academias é ainda mais difícil. Uma das barreiras é o assédio, que está presente de diversas formas.
Pode ser em um olhar insistente, na reprodução de comentários maliciosos, nas abordagens e nos toques indesejados ou até mesmo em fotografias e gravações de vídeo sem conhecimento ou permissão das alunas.
O problema foi evidenciado por uma pesquisa feita nos Estados Unidos pelo Gympass, a maior plataforma corporativa de acesso a espaços de atividade física.
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De mais de 150 usuárias consultadas, 18% relataram sofrer assédio enquanto treinam. Um percentual ainda mais elevado apontou ter presenciado episódios do tipo com outras pessoas.
No TikTok, hashtags em inglês como #gymweirdo ou #gymcreep reúnem imagens que mostram como os incidentes são frequentes em diversas partes do mundo.
Não à toa, hoje existem estúdios abertos exclusivamente a mulheres.
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Que equipamento é esse?
Cross over, peck deck, graviton, elíptico… Se você já fez musculação alguma vez, certamente já se levantou de algum desses aparelhos e pensou: “Isso é um instrumento de tortura!” Pois bem, esses equipamentos de nomes peculiares também representam um desafio e tanto, especialmente para os novatos.
A falta de familiaridade era um estorvo recorrente para o fotógrafo e professor Arthur Franco, de 33 anos, de Curitiba. “Já havia tentado fazer academia algumas vezes, mas sempre desistia. Entre as razões, estavam os inúmeros aparelhos. É preciso aprender, e nem sempre há uma pessoa disposta a ajudar”, recorda.
Ele não está sozinho nessa. Outro levantamento conduzido pela agência OnePoll, desta vez com 2 mil americanos, revelou que 48% se sentem intimidados com a quantidade de exercícios, de dispositivos e de aulas. Além disso, metade relatou sentir algum tipo de pressão com o ambiente em si.
Hoje, o fotógrafo consegue malhar até cinco vezes por semana em uma academia menor quando comparada com as tradicionais unidades de rede.
“Percebo que o que ajuda a me manter nos exercícios é justamente ter encontrado um lugar acolhedor, onde as pessoas se conhecem e se cumprimentam”, avalia. “Fora que os instrutores estão disponíveis para tirar dúvidas e não há aquela sensação desconfortável de que eles estão ali fazendo uma obrigação, o que eu sentia em lugares maiores.”
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Até halteres, instrumentos onipresentes em academias, podem ser motivo de desconforto. Tem gente que não suporta se exercitar em meio àquelas pessoas que competem para ver quem levanta mais quilos.
Como alternativa, inclusive a esse público, despontaram academias sem pesos. Pode parecer estranho em um primeiro momento, mas a premissa de redes como a TecFit é essa: por lá os treinos são mais rápidos, com cerca de 20 minutos, e personalizados, com no máximo dois alunos por professor.
O CEO da empresa, Felipe Castro, conta que, embora o espaço receba alunos de todas as idades e com diferentes níveis de condicionamento, a maioria tem entre 40 e 60 anos.
Além do acompanhamento de perto com um fisioterapeuta, os resultados tendem a aparecer mais rápido devido a um recurso tecnológico: cada frequentador recebe um equipamento de eletroestimulação muscular que emite correntes de baixa frequência e movimenta mais de 300 músculos ao mesmo tempo.
“É um colete preto que se parece com uma armadura. Todos vestem o mesmo equipamento, diferentemente de uma academia tradicional em que cada pessoa escolhe uma roupa diferente. No final das contas, é quase um uniforme, deixando todos parecidos e sem espaço para julgamentos”, detalha Castro.
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Quem aderiu à ideia foi o representante comercial José Lopes, de São Paulo, que se encontra “por volta dos 60 anos”. Dificuldades como dores nas costas e perda da mobilidade fizeram com que ele procurasse um lugar para malhar, mesmo não tendo nenhuma afinidade com a musculação.
Influenciado pelos filhos, matriculou-se numa unidade da TecFit. “Em três meses, comecei a perceber diferenças. Hoje recuperei bastante a mobilidade e melhoraram tanto a disposição como os resultados dos exames”, diz Lopes.
Para ele, o diferencial está na relação próxima com os profissionais, que atuam na motivação, no aprimoramento da performance e na correção de movimentos. “Os 20 minutos voam. Chego e saio animado”, destaca.
Não se engane: a intimidação pela academia pode afetar qualquer pessoa, até mesmo quem menos se espera.
Um dos principais nomes brasileiros quando o assunto é movimento, o professor e preparador físico Marcio Atalla confessa que já se sentiu inibido ao chegar para treinar.
“Você entra em uma academia e encontra 80% das pessoas muito em forma e trabalhando com uma quantidade de carga enorme. Se eu fico constrangido às vezes, imagina como se sente uma pessoa sedentária”, expõe. “Não tenho dúvida de que um dos grandes desafios hoje é criar espaços mais acolhedores”, completa o expert.
Com mais de 30 anos de carreira, Atalla afirma que o primeiro passo para se sentir bem com a musculação ou qualquer outro tipo de modalidade esportiva é a criação do hábito, um processo que envolve rotina.
Nesse sentido, querer queimar etapas para ver resultados e ficar com o mesmo porte dos vizinhos é uma cilada. Por isso, o professor frisa que exagerar na dose e desrespeitar os limites do corpo consistem nos principais erros dos iniciantes.
“Quando uma pessoa aumenta muito a quantidade ou carga do exercício e o corpo não está preparado, aumenta também o risco de desenvolver dores e lesões, algo que naturalmente impacta a regularidade e faz com que se abandone a atividade física”, esclarece Atalla.
Devagar e sempre: a máxima nunca perde a validade.
Outro conselho de ouro é partir para uma modalidade que seja mais agradável. Se a musculação não está rolando por ora, que tal começar com caminhadas, passeios de bicicleta ou natação?
Aos poucos, os benefícios começam a ser sentidos: é a melhora do condicionamento físico. Pode parecer algo pequeno, mas é justamente essa experiência positiva que vai preparar, simultaneamente, corpo e mente para encarar novos desafios, incluindo a temida academia.
Um espaço que pode, sim, funcionar para você. Com algumas estratégias, é possível driblar os receios e se adaptar.
“Uma das técnicas recomendadas é chamar um familiar, amigo ou conhecido para treinar. Isso diminui o impacto da sensação de estar sozinho em um ambiente novo ou com pessoas desconhecidas e reduz a insegurança”, afirma o psiquiatra Gabriel Okuda, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Não é por menos que diferentes unidades oferecem hoje planos com descontos a quem convida um colega para se matricular.
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Também ajuda os iniciantes ter em vista que praticamente todo mundo teve, em algum momento, que aprender a usar tantos aparelhos e a se esforçar para romper a inércia e obter resultados. Além disso, é essencial lembrar que cada um tem uma trajetória única — comparações podem até estimular, mas não raro são contraproducentes.
Outro ponto de apoio é literalmente pedir ajuda. Nos últimos anos, houve um crescimento na atuação do personal trainer no Brasil. Apesar de o treino com supervisão direta ter seus diferenciais, nem sempre é acessível a todo mundo. E, aí, estreitar laços de confiança com o instrutor da academia é a saída.
“É atribuição do educador físico prestar essa orientação. Para estabelecer uma boa relação, o aluno precisa reconhecer seus limites e enfrentar essa camada de ansiedade social”, diz Torres.
Esse trabalho em equipe, digamos, é um investimento de longo prazo. “A atividade física é um remédio para muitos problemas, tanto físicos quanto mentais, desde que seja feita periodicamente”, reforça o médico do esporte Tiago Lazzaretti, do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista.
Os propósitos dentro de uma academia podem até variar, mas a certeza para qualquer um que suar a camisa é colher frutos para a saúde. E, ufa!, já dá para obtê-los sem precisar suar frio por aí.