“O excesso de urbanização contribuiu para que ficássemos mais gordos, mais ansiosos e mais doentes”, afirma Paulo Saldiva, médico patologista, pesquisador e professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Com mais de 500 pesquisas científicas publicadas, a maioria delas sobre o impacto das interferências humanas no meio ambiente e na saúde, o cientista é um dos palestrantes do I Simpósio Internacional de Natureza & Saúde, promovido pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e que ocorre nos dias 8 e 9 de outubro no formato online.
No evento, que está com as inscrições abertas, ele detalhará como a degradação do ambiente afeta a saúde humana.
Em entrevista à Agência Einstein, o especialista relembra os números de vidas perdidas por problemas direta ou indiretamente causados pela ação humana no ambiente: cerca de 5 milhões de pessoas morrem a cada ano por conta das mudanças climáticas e 10 milhões, por causa da poluição.
“São muitas mortes. A mensagem da saúde é que se começarmos a mudar a nossa forma de nos relacionarmos com a natureza, os benefícios para a saúde serão agora. Não vamos precisar esperar meses ou anos”, diz.
Leia abaixo os principais trechos da conversa:
Por que a relação com a natureza é importante para a saúde?
A exposição à natureza está relacionada à redução da pressão arterial e dos níveis de cortisol e adrenalina e com a variabilidade de frequência cardíaca. Há uma série de estudos científicos que mostram isso, inclusive que, em hospitais mais verdes, os índices de complicação no pós-tratamento são menores e a recuperação dos pacientes é mais eficiente.
Assim como ocorre nos hospitais, o contato ou só a visão da natureza nos acalma, nos tira desse ritmo frenético que nós mesmos nos impomos. Dormimos melhor porque o ruído urbano cai e a poluição luminosa diminui.
A questão da iluminação é importante porque, para dormirmos bem, precisamos que nosso organismo comece a produzir melatonina de 1 hora e meia a 2 horas antes de irmos para a cama. E o sono é importante para regular o funcionamento de todo o nosso organismo.
Esses efeitos positivos da natureza sobre a nossa saúde são resquícios da relação mais próxima que tínhamos com ela antes do processo civilizatório, quando o homem caçava, percorria grandes distâncias atrás de alimentos e não vivia em sociedade. Hoje, nós modificamos a natureza de tal forma que essa ausência pode nos adoecer.
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A civilização e a rotina nas grandes cidades têm mesmo o poder de nos adoecer?
O homem abandonou a natureza para viver entre tijolos. Esse excesso de urbanização contribuiu para que nós ficássemos mais gordos, mais ansiosos, mais doentes. No geral, somos mais sedentários: andamos de carro, usamos escada rolante ou elevador, não praticamos atividade física, comemos errado.
Com a civilização e a busca por soluções que facilitem a vida dos homens, vem o adoecimento porque uma pessoa está mais perto da outra e transmissão de doenças fica mais fácil. Começam também os problemas sanitários. As epidemias e pandemias, como a da covid-19, surgem com as cidades.
Na época do homem caçador-coletor, elas não existiam. Muitas doenças surgiram do contato do homem com animais. A tuberculose, por exemplo, não tem esclarecida sua origem, mas uma das hipóteses mais aceitas é que ela tenha surgido do contato do homem com bois selvagens.
A gripe veio do contato com as aves. Além disso, temos as mudanças climáticas resultado da ação humana e a poluição, que são causas de adoecimento e morte, e o estresse provocado pela rotina frenética.
A urbanização excessiva e a ausência de verde nas cidades geram ainda ilhas de calor urbano. Essas variações de calor induzidas pelo homem são responsáveis por cerca de 5 milhões de mortes precoces por ano em todo o mundo por doenças como infarto do miocárdio, AVC (Acidente Vascular Cerebral), pneumonia em criança e idoso.
Elas não morrem por causa do calor ou do frio, mas por doenças associadas a este fenômeno. Nosso sistema de termorregulação não consegue acompanhar a velocidade das mudanças climáticas.
E, além disso, as cidades não oferecem estrutura que facilite a adaptação da população a essas mudanças, certo?
Sim. As cidades têm características geográficas diferentes entre si e também em termos de estrutura e dinheiro para investir em questões de habitação. Por exemplo, em cidades como Toronto (Canadá) e Estocolmo (Suécia), a variação de temperatura ao longo do ano é de cerca de 30 graus, mas o efeito da temperatura na saúde das pessoas é muito baixo, porque as casas, o transporte público e os prédios foram adaptados para oferecer conforto térmico à população.
Já São Paulo, por exemplo, é uma cidade desigual. Uma coisa é ter 35 graus de temperatura em um apartamento na Vila Nova Conceição e outra é ter o mesmo calor em uma casa com laje em Itaquera, na zona leste, região que não tem cobertura verde. Então, esses desertos que construímos dentro da cidade promovem grande amplitude térmica que nos adoece.
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Quando esse movimento da saúde em defesa do meio ambiente começou?
Acho que ganhou força quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentou os guidelines (diretrizes) de qualidade do ar global. Inclusive, vai sair uma atualização em 2022 e eu sou um dos revisores. O segundo aspecto foi em 2013, quando a Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (IARC) classificou a poluição do ar como cancerígena, colocando a poluição na mesma categoria do tabaco e do amianto. Isso quer dizer que ficou evidenciado que a poluição é tão capaz de causar câncer quanto o cigarro.
Como trazer, no dia a dia, a natureza para a nossa vida?
Acho que este é um problema educacional. Nas cidades, as pessoas não prestam atenção no verde, na natureza, simplesmente porque não foram educadas para isso. Eu recuperaria o verde das escolas para que as crianças aprendessem a conviver e valorizar a natureza.
Com isso, ensinaríamos para eles o contrário do que aprendemos, que foi querer ter um carro. No currículo escolar, os temas meio ambiente e sustentabilidade poderiam entrar como uma matéria horizontal nos ensinos fundamental e médio, estimulando a participação ativa da juventude e promovendo o aprendizado, a socialização e a colaboração.
Esses temas também poderiam ser trabalhados em diversas disciplinas, como geografia, biologia e história. Mudança de comportamento tem a ver com educação. E eu vejo isso com esperança. Eu sinto muito mais clima para se discutir isso hoje do que 20 anos atrás.
A proximidade com um parque ou estação do metrô, por exemplo, valoriza muito um imóvel. Os jovens estão preferindo usar carros compartilhados ou transporte público do que ter um veículo na garagem. E isso era impensável anos atrás.
Essa mudança de comportamento também representa uma economia significativa na área da saúde?
Hoje estamos perdendo dinheiro com admissões hospitalares que poderiam ser evitadas e com a perda de capacidade produtiva motivada pela morte prematura de pessoas. O custo evitado em saúde decorrente da diminuição da poluição local supera o dobro do valor necessário para mitigar os gases de efeito estufa.
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Qual é a mensagem da área da saúde para os cuidados com o meio ambiente?
A saúde foi a última a embarcar no trem da sustentabilidade, mas a solução não está na saúde. A saúde não prescreve matriz energética nem cobertura vegetal, não define regras de ocupação do solo.
Mas quando a gente pega dados que mostram que 5 milhões de pessoas no mundo morrem precocemente por causa da mudança climática e 10 milhões de mortes ocorrem todos os anos por doenças relacionadas à poluição de ar por ano, sustentabilidade se torna um problema de saúde. São muitas mortes.
A mensagem maior é tornar a sociedade protetora do ser humano. O envolvimento da área da saúde na questão ambiental traz para o hoje os benefícios dessas mudanças que precisamos. É algo como: se você começar a caminhar mais a pé ou de bicicleta pela cidade, você vai reduzir a emissão de poluentes e também vai melhorar sua função cardiovascular, reduzir o risco de osteoporose e sua saúde mental vai melhorar.
É mostrar que uma política de parques não deixa a cidade só mais bonita: ela reduz as ilhas de calor, as árvores funcionam como absorvedoras de poluição e o risco de morte por infarto cai na medida em que as pessoas conseguem utilizar os parques.
Sabendo dos benefícios do contato com a natureza, da preservação do meio ambiente para a saúde, a gente torna mais palpável toda essa discussão e pode reconduzir a cidade a um caminho virtuoso.
*Esse texto foi publicado originalmente na Agência Einstein.