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O lado bom de desistir: livro mostra que renunciar pode fazer bem à saúde

O psicanalista britânico Adam Phillips defende que abdicar não é sinônimo de fraquejar — e que isso pode, sim, nos fazer bem

Por Larissa Beani
Atualizado em 3 jul 2024, 11h41 - Publicado em 3 jul 2024, 09h00
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Psicanalista britânico reúne ensaios sobre a importância de ter liberdade para mudar de opinião e recalcular rotas — desistindo daquilo que já não faz mais sentido, se necessário (Klaus Vedfelt/Getty Images)
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Você pisaria no reino dos mortos para resgatar a alma de sua amada, como Orfeu fez por Eurídice no mito grego? Ou trairia um líder justo e amigo com a ambição de assumir o trono da Escócia, à la Macbeth?

O imaginário ocidental está cheio de histórias protagonizadas por heróis que se recusaram a desistir de seus objetivos — e tiveram finais para lá de trágicos por causa disso. Essa é uma das provocações que o psicanalista britânico Adam Phillips traz em sua mais nova obra traduzida no Brasil, Sobre Desistir, da Editora Ubu. (clique aqui para comprar).

Com cinco décadas de experiência no atendimento clínico de crianças e adultos, Phillips sabe que a fonte de muitos dos nossos sofrimentos reside na recusa em abrir mão daquilo que nos faz mal — de vícios a relacionamentos tóxicos.

Sem oferecer soluções fáceis, o especialista quer ajudar as pessoas a tomarem decisões melhores para sua vida. “Às vezes, quando alguém quer desistir de algo ou de alguém, tem uma razão muito boa”, resume.

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VEJA SAÚDE: Por que deveríamos revisar o que pensamos sobre desistir?

Adam Phillips: Em geral, as pessoas tendem a desistir de coisas que elas consideram ser autodestrutivas, como os vícios. Ou, então, a renúncia pode ser uma manifestação de completo desespero. A depender da situação, ela é vista como algo louvável ou condenável. Mas essa é uma forma muito simplista de encarar a decisão de alguém sobre abandonar (ou não) algo ou outrem.

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As pessoas precisam ser livres para fazer essa escolha. No entanto, crescemos sendo encorajados a sermos consistentes e determinados, o que dificulta uma reflexão crítica sobre o assunto e faz com que não questionemos nossas decisões ou mudemos de opinião sobre elas. 

+ Leia também: Mania de perfeição pode virar fonte de doenças

Como podemos saber quando é hora de desistir?

Nunca haverá um método, sistema ou princípio que nos diga quando é o momento certo para desistir. Há sempre um certo risco na renúncia, nunca se sabe se algo dará certo ou não. E temos que conviver com isso.

Temos que lidar com muita frustração e ter uma boa dose de coragem para encarar as consequências de qualquer que seja a nossa escolha. Existem muitas boas razões e muitas áreas de nossa vida em que é realmente importante que não renunciemos. O problema é que acabamos desenvolvendo um pouco de fobia de desistir

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A que devemos atentar no momento de tomar a decisão?

[A psicanalista Marion] Milner chamou de “atenção estreita” aquele foco que temos quando nos concentramos em algo muito específico e estamos muito determinados. Sabemos o que queremos e tentamos descobrir como consegui-lo.

Já a “atenção ampla” permite que analisemos o que há ao redor, livre de objetivos. Ela sinaliza que há um desejo por algo, mas é necessário investigar o que é, estreitando o olhar após avaliar o todo. A complementariedade é a beleza desses dois tipos de atenção.

+ Leia também: Em busca do foco perdido: o que fazer para recuperar a concentração?

Em geral, há uma visão muito moralista sobre renunciar. O que podemos fazer para mudar isso entre as novas gerações?

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Esse tipo de reflexão deveria fazer parte do nosso repertório desde sempre. De certo modo, é algo que poderia ser ensinado nas escolas, por meio da literatura, por exemplo. Há muitos livros que lidam com o assunto, mas nunca são lidos por essa perspectiva. E não é uma questão de incentivar que as pessoas desistam, mas sim de prepará-las para quando elas quiserem renunciar a algo.

Espero que se torne um assunto pelo qual os leitores possam se interessar, em vez de causar medo ou de deixá-los intimidados, sentindo que aquilo não pode ser discutido.

Essa mudança, de certa forma, já vem ocorrendo na nossa sociedade? 

Eu suponho que os jovens têm ficado cada vez menos impressionados com os valores antiquados das gerações anteriores, deixando de segui-los. Mas isso não significa que eles desistem facilmente e se rendem à frustração.

Espero que as pessoas se sintam mais capazes de fazer escolhas e saibam inclusive que podem não ser mais reféns delas mesmas.

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Sobre Desistir é um livro cheio de referências literárias. Como a ficção nos ajuda a refletir sobre essa questão?

Eu certamente recomendaria que as pessoas lessem as tragédias gregas e as de Shakespeare. Todas as peças falam de pessoas que não conseguem desistir, são incansáveis.

Já a literatura moderna aborda nosso desejo de mudar, de ser diferente e de continuar evoluindo, evidenciando que nossa personalidade não é fixa, que somos inconsistentes e podemos sempre mudar de ideia.

+ Leia também: Por que ler faz bem à saúde?

Desistir pode ser sinônimo de renunciar, abandonar, parar… Qual definição você gostaria que as pessoas tivessem em mente? 

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Às vezes, quando alguém quer desistir de algo ou de alguém, há uma razão muito boa para tal. Meu conselho, por assim dizer, seria não presumir que desistir é algo ruim, porque é preciso ser capaz de desistir de certas coisas para começar coisas novas. Talvez seja necessário, por exemplo, desistir de um relacionamento autodestrutivo para ter um relacionamento melhor.

Torna-se realmente uma questão de quão livre somos para pensarmos sobre o que queremos fazer com o nosso tempo. O que eu gostaria de promover, por assim dizer, é que não fiquemos impressionados demais com o sacrifício. Há algo de tirânico em nunca desistir, de nunca poder revisar as próprias opiniões.

Sobre desistir

Sobre desistir, de Adam Phillips

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