Quantos passos você deu, quantas calorias consumiu, o ritmo dos batimentos cardíacos e os ciclos do sono que você completou durante a noite: todas essas informações, hoje em dia, são facilmente coletadas por aplicativos de celular ou pulseiras rastreadoras. Mas um estudo publicado no Journal of Clinical Sleep Medicine acredita que esses dados podem estar, literalmente, tirando o sono dos usuários.
O estudo de caso relata a situação de alguns usuários de pulseiras e apps de rastreamento de sono que frequentaram clínicas de sono nos Estados Unidos, com problemas como fadiga durante o dia e insônia.
Parte do problema parece ser causado pela tecnologia em si. Uma paciente de 27 anos chegou à clínica reclamando que não se sentia renovada com suas noites de sono, por mais que dormisse. O aplicativo mostrava que ela não completava muitos ciclos de sono profundo, necessário para o descanso do corpo. A paciente foi levada para dormir uma noite no laboratório – e a polissonografia, teste que acompanha as ondas cerebrais e o coração durante o sono, deu resultados normais.
Segundo os pesquisadores, estudos anteriores mostram que as tecnologias atuais de rastreamento de sono têm pouca comprovação científica: nos experimentos, alguns monitores chegam a confundir os padrões do sono leve com uma pessoa que está lendo na cama, por exemplo.
Outro exemplo citado no estudo é de um homem de 39 anos que passou a monitorar o sono para melhorar sua qualidade de vida. Para o médico, ele falou que precisava “atingir a meta” de 8 horas por noite para se sentir bem.
Por trás dessa escolha de palavras, está o que os psicólogos do estudo chamam de fenômeno da “ortosonia”, a obsessão com o sono correto. A quantidade de dados disponíveis pode transformar o sono em uma tarefa quantificável – e a consequência é que pessoas mais suscetíveis podem desenvolver níveis altos de estresse que, por sua vez, atrapalham o sono, virando um gatilho para insônia.
Para os autores do estudo, é uma onda parecida com a da ortorexia: a necessidade de comer “corretamente” que, em certos pacientes, pode se agravar a ponto de se tornar um distúrbio alimentar.
O objetivo do estudo é promover um uso mais consciente dessas ferramentas tão populares. Os pesquisadores acreditam que os apps podem, sim, ajudar a diagnosticar distúrbios como apneia e melhorar o sono, mas desde que o usuário não confie demais na sua precisão, nem fique tão preocupado em bater metas no travesseiro.
Este conteúdo foi publicado originalmente na Superinteressante.