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O dilema das escolas diante da Covid-19

O descontrole da pandemia quando boa parte das escolas brasileiras reabriu aguça o debate sobre os riscos da retomada e os impactos no bem-estar de crianças

Por Daniella Grinbergas
Atualizado em 11 Maio 2021, 18h15 - Publicado em 16 abr 2021, 14h05
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  • No momento mais duro da pandemia de Covid-19 no país, a educação parece se encontrar em um beco sem saída. De um lado, a volta ou a manutenção das escolas abertas são vistas como mais um elo na cadeia de transmissão do vírus. Do outro, profissionais e famílias se sentem angustiados com as repercussões psicológicas, sociais e escolares sobre essa nova geração, que já ficou e ainda deve ficar mais um período longe das salas de aula. Há algum veredicto sobre qual caminho tomar? Seguiremos no abre e fecha? O que deve ser ponderado? Inclusive como mãe de dois meninos de 4 anos, é isso que pretendo investigar nestas páginas.

    O primeiro ponto a colocar em pratos limpos: após mais de um ano convivendo com o coronavírus, tem ficado claro que os pequenos não são os principais disseminadores da doença — e os mais jovens em geral encaram quadros brandos. “As crianças transmitem menos, adoecem menos e têm formas menos graves de Covid-19. Menores de 20 anos respondem por 2,5% das hospitalizações e 0,6% das mortes”, resume o infectologista pediátrico Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

    Segundo o médico, estudos que analisaram o contágio em famílias indicam que raramente eles são a porta de entrada do vírus. Ou seja, na maioria das vezes, os adultos adoecem e passam para filhos, netos e sobrinhos. Mesmo assim, não dá pra negar que existe o risco de uma criança pegar e levar o patógeno para o lar. É baixo, não nulo.

    Mas como fica a situação diante desse recrudescimento da pandemia, com mais vírus circulando por aí? Foi isso que resgatou a discussão sobre a reabertura das escolas e a ameaça de contaminação lá dentro. O que profissionais que defendem o retorno das atividades presenciais argumentam é que o risco de transmissão não muda significativamente no ambiente escolar. Se esse espaço está bem preparado, representa um perigo menor do que o de shoppings, restaurantes, clubes e outros estabelecimentos que chegaram a funcionar quando creches e colégios estavam de portas fechadas.

    “Não faz sentido não priorizar a escola nos momentos de flexibilização. É claro que ela só deve abrir respeitando protocolos e de acordo com a situação epidemiológica de cada região, podendo ser fechada de forma emergencial, mas por último. Só que, na hora de retomar as atividades, precisa ser a primeira a voltar”, avalia o infectologista Marcio Nehab, da Fundação Oswaldo Cruz (IFF-Fiocruz). Nehab e outros especialistas ressaltam, no entanto, que, diante da alta nos casos e da possibilidade de colapso no sistema de saúde, a vida fica em primeiro lugar, e, temporariamente, o ensino deve seguir apenas a distância mesmo.

    O fato é que, no mês de março, muitos pais nem quiseram levar os filhos à escola. Houve um grande barulho em cima do aumento no número de crianças hospitalizadas e em UTIs. Embora a notícia seja verídica, carece de uma boa contextualização. Não dá pra botar tudo na conta da Covid-19.

    “Estamos entrando na época de sazonalidade para outros vírus respiratórios”, lembra Kfouri. Tem o influenza, da gripe, o vírus sincicial respiratório (VSR), da bronquiolite… E até teve mais infecção pelo coronavírus também. “Mas o importante é entender que essa taxa não subiu de forma desproporcional ao aumento que observamos na comunidade em geral”, esclarece o médico Marcio Sommer Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP).

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    Na discussão sobre a reabertura das escolas, outro aspecto crucial e delicado é o comprometimento das famílias com a comunidade. Afinal, não basta seguir os protocolos de proteção dentro dos muros do colégio. Todo mundo tem de reduzir ao máximo a probabilidade de se infectar e transmitir o causador da Covid-19 — evitando visitas, aglomerações, festas, e tomando as precauções hoje clássicas, como uso de máscara e higienização frequente das mãos.

    Além disso, é necessário manter um diálogo franco entre casa e escola. Os pais precisam ter a consciência de não mandar para a aula crianças com qualquer sintoma típico de resfriado, caso de tosse, coriza e dor de garganta. E a escola, por sua vez, também deve ficar mais vigilante diante de casos suspeitos.

    Um terceiro ator entra nessa história, o poder público. Ele é essencial para garantir uma ação decisiva na pandemia e unanimidade entre os experts: a testagem das pessoas com sintomas. De nada adianta a criança não ir para a escola porque o nariz estava escorrendo e, em seguida, melhorar e voltar sem ter a certeza de que não está contaminada.

    “Só será possível controlar a pandemia se conseguirmos identificar os acometidos e isolá-los. Um dos grandes gargalos para o controle ainda é esse. Precisamos de testes para todos, com resultados rápidos e confiáveis para poder monitorar o vírus”, defende o infectologista da SBP.

    As crianças e a Covid-19

    O que apontam índices oficiais e as pesquisas

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    O que os pais podem fazer?

    Orientações para o momento — e depois

    Lições que vêm de fora

    A agenda da educação foi priorizada especialmente em países que performam bem no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Alemanha, Suécia, França e Reino Unido são exemplos de locais que ficaram menos de 90 dias com as escolas fechadas durante a pandemia. Mas vale reparar que a maioria das nações que obtiveram sucesso na reabertura ou manutenção das atividades escolares exerceu um bom controle epidemiológico, adotando medidas de proteção e monitoramento, inclusive para dar um passo atrás diante de eventuais pioras. No Brasil, que tem extensão continental, esse olhar tem de ser regionalizado, a fim de entender o momento e as estratégias cabíveis em cada localidade.

    Do ponto de vista da circulação do vírus Sars-CoV-2 no ambiente escolar, análises batem na tecla de que as crianças não são uma fonte de transmissão expressiva. Da França vem o relato interessante de um rastreamento que identificou que uma criança de 9 anos sintomática frequentou três escolas diferentes mas não chegou a passar o vírus para nenhum de seus 172 contatos no período.

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    Episódios similares foram registrados na Finlândia, em Singapura e na Irlanda. Com planejamento exemplar, a Coreia do Sul, ao reabrir as escolas, iniciou um minucioso rastreamento de contatos para entender a rota de transmissão viral. E a conclusão foi que não houve aumento súbito de casos pediátricos — a proporção de acometimento em crianças em relação ao total permaneceu em torno de 7%.

    Na mesma linha, nos Estados Unidos, um grupo tem coletado dados de 1,5 milhão de crianças em 48 dos 50 estados. Os números do fim de 2020 atestam que houve surtos com mais de cinco contaminados em apenas 0,6% das escolas acompanhadas, sendo mais de dez casos em 0,05%.

    A Holanda também não sentiu aumento repentino ou surtos importantes com a reabertura de creches e escolas primárias, mesmo com taxas mais altas de circulação do vírus em nível nacional. Na Irlanda, pesquisas demonstram que, desde o início da pandemia, 41% dos casos em crianças estavam ligados a surtos em casa, seguidos por aqueles motivados por trabalho, viagem e outros fatores externos à escola.

    Já em Israel, o caso mais alarmante foi um surto com 153 estudantes infectados, além de 25 profissionais, em uma escola com 1 190 alunos em Jerusalém. Porém, uma inspeção no local apontou problemas como salas lotadas, com mais alunos do que o recomendado, distanciamento social inadequado, janelas fechadas, falta de máscara e uso de ar-condicionado constante. Isto é, um cenário totalmente propício para o contágio. Agora, com a vacinação avançada, os israelenses não parecem ter deparado com situações do tipo. Aliás, em matéria de imunização, as nações citadas estão à nossa frente, o que também favorece a manutenção das escolas abertas.

    Experiências de retomada ou manutenção das aulas em outras nações

    Estados Unidos: houve algumas variações regionais. Mas um grupo de estudos coletou dados de 5 mil escolas em 48 estados para mensurar o impacto da volta às aulas e descobriu que apenas 0,6% registraram episódios com mais de cinco contaminados — número baixíssimo.

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    Reino Unido: em novembro de 2020, com o lockdown que fechou restaurantes, bares, academias e serviços não essenciais, as escolas permaneceram abertas. Mas, em janeiro, com uma quarentena rigorosa devido a uma nova variante do vírus, as aulas presenciais foram paralisadas.

    Suécia: o país manteve escolas abertas para crianças de até 15 anos. E viu que a taxa de internação de professores da pré-escola não foi diferente da de adultos com outras ocupações. Mas, no ensino fundamental, o índice de infecção entre profissionais foi mais alta.

    França: no início deste ano, estavam fechados bares e restaurantes, mas as escolas seguiam abertas e o país não registrou alta nos casos, sobretudo nesse meio. Os professores franceses estão na lista prioritária de vacinação.

    Chile: ficou um período extenso com as escolas fechadas. Agora colocou professores e outros profissionais que atuam nesse ambiente, a exemplo de merendeiras e monitores, como prioridade na imunização. O grupo já é vacinado desde fevereiro.

    Argentina: cerradas desde o início da pandemia, as escolas começaram a reabrir de forma gradual em 2021. As autoridades avisaram que, se for necessário reduzir a circulação de pessoas para conter o vírus, alunos e professores ficarão isentos das restrições.

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    Uruguai: nosso vizinho já tinha liberado o retorno presencial em junho de 2020, mas com a opção do ensino remoto. Em outubro, a volta foi obrigatória, com os casos amplamente notificados. Profissionais de educação também são prioridade na vacinação.

    Entre o ideal e o real

    No ano passado, o Ministério da Educação (MEC) definiu um protocolo de segurança, seguindo orientações de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), para que as escolas pautem suas diretrizes e se adaptem para promover um retorno tranquilo. “As medidas mais efetivas são ventilação das salas, distanciamento, uso de máscara e controle do número de alunos por ambiente. Ou seja, não é preciso implementar estruturas muito complexas”, afirma Bittencourt.

    Além disso, é fundamental restringir o acesso de adultos ao local, não enviar crianças com sintomas ou suspeita, prover uma alfabetização sanitária e horários alternados de recreação, entrada e saída para não gerar aglomeração.

    Porém, sabemos que o Brasil enfrenta problemas gravíssimos em relação à falta de recursos para as escolas públicas e não se pode fechar os olhos para aquelas que não possuíam condições aceitáveis mesmo antes da pandemia. Muito além de oferecer equipamentos de proteção e materiais de higiene, é preciso cuidar das feridas antigas, que só se agravaram.

    “O maior problema foi não ter uma política pública do MEC que orientasse as escolas de forma geral e as auxiliasse a se ajustar à nova realidade. A descoordenação culminou nas graves faltas de sanitarismo. Alguns estados estão buscando reformar escolas e criar as condições necessárias, mas a maioria dos municípios e estados fez pouco para melhorar essa infraestrutura. Agora, todos correm atrás do prejuízo”, aponta a educadora e socióloga Neca Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal.

    O que a escola precisa contemplar no retorno presencial

    Uso de máscara: todos os alunos e funcionários devem empregá-la em tempo integral, de forma adequada, fazendo trocas regulares. Professores podem recorrer ainda ao face shield.

    Higienização: a escola tem de disponibilizar frascos de álcool 70% dentro de cada sala e nos demais ambientes, além de incentivar a lavagem das mãos com sabão e esterilizar superfícies.

    Ventilação: manter salas ventiladas é uma das recomendações mais importantes no novo normal. É fundamental deixar as janelas sempre abertas a fim de evitar a propagação do vírus.

    Distanciamento seguro: os protocolos indicam de 1,5 a 2 metros entre as carteiras. Assim, o número de estudantes por sala acaba reduzido e as escolas devem organizar rodízios.

    Escala de horários: da mesma forma que na sala de aula, o ideal é estabelecer horários diferentes de intervalos, entrada e saída das turmas, com o objetivo de não ter aglomeração.

    Reflexos emocionais

    Dados da Unicef revelam que, em média, as escolas na América Latina e no Caribe estiveram fechadas por 158 dias desde março de 2020, sendo que a estimativa global foi de 95 dias. “Acho que até agora fizemos a pergunta errada. Discutíamos somente quais eram os riscos de a escola abrir, mas pouco olhamos para a questão inversa: quais seriam os riscos de deixar as crianças em casa”, instiga Neca.

    E as perdas foram grandes. Considerando que o ensino remoto foi o único método para driblar o fechamento e que boa parte das crianças brasileiras tem acesso frágil à internet e a um ambiente ideal para estudar em casa, fica nítido que tivemos prejuízos consideráveis.

    “A escolarização da criança é realmente um problema grave, mas pode ser recuperada lá na frente se você der condições mínimas de acesso e estudo. A socialização me preocupa mais”, diz o psicólogo José Ernesto Bologna, fundador da consultoria Ethos Desenvolvimento Humano.

    “A escola é também um espaço de desenvolvimento emocional e social para todas as faixas etárias. Ali há possibilidade de interação, troca de experiências, vivência em grupo, e é onde se aprende a negociar vontades, os direitos e como cada um vai se colocar no grupo. Do ponto de vista emocional, é uma fonte de estímulo muito importante”, analisa o psiquiatra Guilherme Polanczyk, do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes. Com a transferência da educação para o campo remoto, tudo isso se esvai.

    “Tenho visto repetidos relatos de adolescentes que sentem que a vida parou. Eles sofrem pelas perdas, pela necessidade de conhecer outros adolescentes, namorar e estão percebendo que não há prazo para isso terminar”, conta o especialista. Um relatório recente, baseado em 12 amplos estudos conduzidos em diversos países, examinou as mudanças nos índices de depressão e ansiedade em jovens de 9 a 18 anos desde antes da pandemia até os primeiros seis meses de Covid-19 e mostrou que os sintomas depressivos aumentaram, em média, 28%.

    Só que os estragos vão além em um país com um nível de desigualdade e problemas sociais tão sérios como o Brasil. Com as crianças e adolescentes em casa, aumentou a violência doméstica, faltou comida na mesa — muitos tinham a merenda escolar como única refeição do dia —, não houve assistência e acolhimento e, como previsto, cresceu a taxa de evasão escolar.

    “Esse último aspecto precisa ser olhado com muito cuidado. Os números do abandono da escola já eram altos antes da pandemia, mas certamente agora se acentuarão”, afirma Neca. E o mais preocupante é que, justamente por causa dessas lacunas educacionais, a tendência é que a vulnerabilidade e a desigualdade ganhem terreno. É uma bola de neve!

    “Precisamos agora de uma política pública voltada à juventude. Estamos vendo uma geração de jovens que entrará sem preparo no mercado de trabalho em um mundo que exige cada vez mais qualificação. Na contramão, eles estão saindo da escola. Daqui a dez anos veremos o resultado disso. É uma agenda urgente”, defende Neca.

    Voltou… e agora?

    Sem prazo para a pandemia acabar, é fato que as escolas reabrirão em algum momento em que o vírus ainda esteja provocando estragos. E muitas famílias certamente se questionarão se devem ou não mandar seus filhos. Para essa pergunta, não há uma resposta pronta. “Há muitas variáveis que não são redutíveis a uma solução óbvia. Indo para a escola, há o risco de adoecer, válido tanto para os alunos quanto para os profissionais. Mas, se eles ficarem em casa, não podemos desconsiderar as perdas cognitivas e emocionais, além do drama de pais que precisam trabalhar fora e não têm com quem deixar os filhos”, analisa Bologna.

    “É impossível haver uma recomendação genérica para o Brasil inteiro. Há crianças que moram com idosos e pessoas com comorbidades, por exemplo. Vai ser preciso ponderar caso a caso”, elucida Nehab.

    Dessa ponderação, que se estende aos gestores, não pode ficar de fora a avaliação do momento epidemiológico — casos e óbitos estão estáveis, subindo ou caindo? — e as condições e adaptações da escola. Em relação aos professores, depois de muita luta, tudo indica que a classe vai entrar no calendário de vacinação com prioridade — em São Paulo, a imunização deles começa em abril. Isso, sem dúvida, vai pesar demais na segurança do ambiente.

    Ainda assim, as instituições terão que se mobilizar além do protocolo sanitário para receber pequenos e jovens retornando mais sensíveis e frágeis em meio a uma crise sem precedentes.

    “As reações emocionais são diferentes caso a caso. Haverá crianças acuadas depois de tanto tempo em isolamento, outras levarão seus medos com base nas experiências que viveram com a pandemia. Enfim, as escolas precisarão olhar para esses aspectos e se preparar para cuidar ainda mais da esfera emocional”, pontua Polanczyk. No mundo pandêmico, mutável como o vírus, todos nós (família, escola, governo etc.) teremos que nos adaptar e fazer nossa parte para as crianças receberem a educação que merecem.

    Como a distância da escola mexe com eles

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