Há mais de cinquenta anos, o marca-passo salva vidas ao estimular o coração que não bate como deveria. Hoje, a categoria cresceu, inclui dispositivos que corrigem mais defeitos cardíacos e tem se modernizado. Prova disso é a chegada recente do menor marca-passo do mundo ao Brasil.
Desenvolvido pela Medtronic, o Micra tem 20mm de comprimento, o equivalente a uma cápsula de vitamina, e pesa 2g. Além do tamanho, há outro grande diferencial: ele não possui fios com eletrodos. Fica posicionado diretamente no músculo cardíaco.
Normalmente, marca-passos e outros dispositivos são compostos por uma peça principal um pouco maior que uma moeda de 1 real, que contém uma bateria de lítio e um sistema eletrônico com microprocessador.
Essa peça, implantada na região da clavícula, logo abaixo da pele, se conecta ao coração por meio desses tais fios.
Para isso, eles são inseridos em um vaso sanguíneo e viajam até a região desejada do coração. Ali, funcionam tanto como sensores quanto como estimuladores. Quando percebem um intervalo maior entre uma batida e outra, geram uma descarga elétrica que regula o ritmo.
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Esse esquema funciona bem, mas pode melhorar. “O eletrodo é a parte mais frágil de todo sistema, pois eleva o risco de infecções e pode sofrer interferências pelo próprio fluxo sanguíneo ou pelo estado das veias”, aponta o cardiologista Carlos Eduardo Duarte, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, especialista em estimulação cardíaca.
Embora a incidência de infecção pós-cirurgia seja inferior a 2%, quando ela acontece costuma dar trabalho. Para alguns indivíduos, como os com disfunções renais, o risco de infecção é 50% maior, avaliou um estudo publicado no Journal of the American College of Cardiology.
Como funciona o Micra
O dispositivo é implementado por meio de um acesso de poucos centímetros na veia femoral, que fica na perna do paciente. Ali, os médicos inserem um cateter e o conduzem até o coração. Aberto o caminho, um novo cateter carrega o aparelho e o entrega ao local de destino.
Com minúsculos ganchinhos, que lembram a estrutura de uma âncora de navio, o Micra se acopla ao músculo cardíaco e pode ficar ali por até 12 anos — tempo de duração da bateria.
A engenhoca contém um gerador, alimentado pela bateria de lítio, e um microprocessador. O eletrodo, neste caso, é um pequeno ponto na superfície metálica. Como nos outros marca-passos, a todo momento ele recebe as informações dos batimentos cardíacos em busca de anormalidades. E responde a elas.
“É mais ou menos como o gerador automático de um condomínio. Quando acaba a energia da rua, ele é acionado, e desliga quando não é mais utilizado”, compara Duarte. “O aparelho é programado com um limite de variação, que varia de paciente para paciente”, conta Duarte.
Essa configuração entende que há aumentos e quedas esperadas no ritmo cardíaco, como na prática de exercícios e no sono, por exemplo.
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Para quem ele é indicado
Por enquanto, para quem não pode se submeter ao procedimento convencional, como os portadores de problemas renais, indivíduos em tratamento de um câncer ou com a saúde debilitada no geral.
Para Duarte, contudo, o produto e suas indicações devem ser o ponto de partida de uma nova abordagem para marca-passos e companhia. Há uma categoria de engenhocas similares que hoje tratam de arritmias à prevenção de morte súbita.
“Toda tecnologia vive seus momentos de grandes saltos. Agora, estamos inaugurando a era dos dispositivos cardíacos sem fio”, comemora o cardiologista. Até o momento, quatro pessoas receberam a inovação no Brasil, e ela está em uso no mundo desde 2016.
O Micra ainda não foi incorporado ao rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e nem ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Outra consideração a fazer é que são necessários mais estudos de longo prazo e com muitos voluntários para verificar tanto o desempenho do aparelho, visto que ele está há pouco tempo no mercado mundial, quanto a diferença que ele pode fazer na prevalência de complicações entre os portadores de marca-passos.
O bom é que, até agora, com o Micra sendo comercializado há cerca de seis anos, revisões sistemáticas mostram achados positivos tanto em segurança quanto em eficácia.
Marca-passo salva vidas, mas exige acompanhamento
Com o envelhecimento populacional, os marca-passos estão mais populares. Cerca de 50 mil são instalados ao ano, e se estima que 300 mil brasileiros já carreguem um no corpo. Os dados são do Censo Mundial de Marca-passos e Desfibriladores.
Apesar das cifras, a estratégia ainda é tida como subutilizada no Brasil, avaliam especialistas. Uma pena, porque a maioria das mortes por diminuição da frequência cardíaca poderia ser evitada com aparelhos do tipo.
Diferente do que muita gente pensa, ele não precisa ser o último recurso terapêutico e nem é super complexo e delicado. Trata-se de uma intervenção segura e com baixo risco de complicações, ainda mais com a evolução promovida pela ciência nas últimas décadas.
Só que não adianta esperar a tecnologia resolver tudo. “O paciente não pode colocar o marca-passo e nunca mais voltar ao consultório. Estimamos que isso aconteça em até 60% dos casos”, alerta Duarte.
Para manter o coração funcionando sem sustos, o acompanhamento humano é tão importante quanto as inovações da medicina.