O sofrimento fetal é caracterizado pela falta de oxigênio para o feto. Se ocorrer de forma abrupta, ele é considerado agudo – os motivos vão desde dificuldade da passagem do sangue da placenta para o bebê até sangramento materno ou alterações no cordão umbilical. A consequência é imediata: o feto lança mão de mecanismos de defesa para se adaptar à ausência de oxigênio, o que pode até levar à morte dentro do útero.
Já o sofrimento fetal crônico, como o próprio nome indica, acontece quando o feto é acometido continuamente pela falta de oxigênio e de nutrientes. Essa situação pode acontecer por problemas genéticos, placentários, fetais (síndromes genéticas e infecções congênitas) ou maternos (como hipertensão arterial, diabetes e uso de medicações, cigarro, álcool ou drogas). Para sobreviver, o feto desvia o fluxo de sangue para órgãos nobres, como cérebro, coração e suprarrenais.
O diagnóstico pode ser feito durante o pré-natal, com exames como a ultrassonografia, que avalia o bem-estar fetal, a quantidade do líquido amniótico, o desvio do sangue para cabeça e o crescimento do bebê. Tem ainda a cardiotocografia, que analisa as variações da frequência cardíaca.
Ao flagrar o quadro precocemente, o feto pode se recuperar e evoluir sem sequelas. Porém, se a falta de oxigênio e nutrientes for prolongada, isso pode levar a problemas logo após o nascimento e também na vida futura.
Impactos no recém-nascido
Dentre as várias repercussões, destacam-se as lesões cerebrais, que podem se apresentar de uma forma leve, que não deixa sequelas, até graus mais graves, capazes de causar convulsões, atraso no desenvolvimento e desnutrição.
Outras manifestações incluem dificuldade na manutenção da temperatura, falta de controle da glicose no sangue, problemas respiratórios e dificuldades na alimentação.
A vida futura
Independentemente da existência da lesão cerebral e da sua gravidade, existe o risco de acontecerem percalços no desenvolvimento. Eles incluem desde alterações mínimas de comportamento, déficit de atenção/hiperatividade, síndrome do espectro autista e dificuldades na aprendizagem, na leitura e na matemática, até alterações mais sérias, como paralisia cerebral.
A restrição de crescimento dentro do útero também tem sido associada a doenças na vida adulta, a exemplo de hipertensão arterial, diabetes tipo 2, obesidade, aumento do colesterol e problemas cardíacos capazes de levar a isquemia e infarto.
Uma das teorias para essa explicação é a de Barker, que observou que bebês nascidos nas décadas de 20 e 30 com peso abaixo de 2,5 kg apresentavam maior risco de desenvolver essas doenças quando chegavam aos 50, 70 anos. Tudo levar a crer que os indivíduos expostos a deficiência de nutrientes no ambiente intrauterino teriam seu metabolismo programado de forma a resistir a períodos de “fome”.
O dilema é que, após o nascimento, com o acesso aos alimentos e também devido a hábitos de vida (como pouca atividade física), essas adaptações se tornam negativas, predispondo a doenças. Em resumo, existe uma abundância nutricional para a qual o indivíduo não foi programado.
Por isso, nesses casos de sofrimento fetal crônico e restrição de crescimento, é importante o seguimento pediátrico periódico – com atenção especial ao crescimento, às habilidades motoras e cognitivas, ao comportamento e ao desempenho escolar. Assim, há chance de prevenir eventuais desajustes. Se isso não for possível, que eles possam pelo menos ser diagnosticados e tratados precocemente, preservando a qualidade de vida do indivíduo.
*Maria Regina Bentlin, Celso Rebello e Marina Carvalho de Moraes Barros são pediatras e membros do núcleo gerencial do Departamento de Neonatologia da Sociedade de Pediatria do Estado de São Paulo (SPSP)