É preciso resistir para não chamar as fibras de nutrientes. Mas a realidade é que falamos de um grupo que não chega a ser absorvido pelo organismo — por isso a nomenclatura não serve para elas. O preciosismo técnico, porém, não abala em nada a sua reputação e os seus benefícios.
Ainda que passem quase ilesas pelo sistema digestivo, as fibras, presentes em leguminosas, cereais, hortaliças e frutas, colecionam feitos consideráveis durante sua viagem pelo corpo. Não à toa, os profissionais de saúde ficam desapontados quando pesquisas indicam que o consumo desses compostos está aquém do ideal, como é o caso de um levantamento feito pelo Ibope a pedido da farmacêutica Takeda.
Em setembro, 2 mil brasileiros responderam a um questionário online sobre hábitos alimentares e ingestão de fibras. Entre os achados, destaca-se o fato de que, embora 78% dos participantes tenham garantido comer fontes da substância, somente 37% disseram fazer isso mais de uma vez ao dia.
É um dado revelador porque, hoje, recomenda-se que homens e mulheres consumam 38 e 25 gramas de fibras por dia, respectivamente. “É uma quantidade grande”, diz a nutricionista Mariana Del Bosco, de São Paulo.
Em geral, o maior aliado do cardápio é o feijão, que fornece 7,3 gramas em uma concha. Já seis colheres de sopa de arroz, se for do integral, têm 3,7 gramas. Somando a dupla, dá pra notar que é complicado depender de uma única refeição para bater a meta — ainda mais se o prato for pobre em verduras e legumes.
Não é de hoje que esse cenário desanima. De acordo com Mariana, informações do IBGE dão conta de que houve importante queda na participação das fibras na dieta nos últimos 40 anos: a ingestão diária despencou de 19,3 gramas em 1970 para 12,3 gramas em 2010. “O consumo atual do brasileiro provavelmente não atinge sequer 50% das recomendações. Precisamos de estratégias para aumentar esse aporte”, afirma.
Solúveis ou insolúveis?
Há diversos tipos de fibra, e eles se dividem nesses dois grupos
A fibra solúvel tem capacidade de formar, lá no intestino, um gel em contato com a água, enquanto a insolúvel não possui essa propriedade — sua ação é considerada mais mecânica. Na pesquisa da Takeda, 70% dos respondentes assumiram desconhecer essas peculiaridades.
Para a nutricionista Eliana Giuntini, do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC), vinculado à Universidade de São Paulo (USP), ninguém precisa decorar essas minúcias mesmo. “Dificilmente um alimento é fonte só de um tipo de fibra. Normalmente, há uma mescla”, justifica. É por isso que rótulos não chegam a fazer essa distinção. “O que conta é o consumo total dessas substâncias”, frisa a pesquisadora.
Quais são os benefícios das fibras?
“Com certo esforço, dá para alcançar os níveis adequados de fibras”, diz a nutricionista Elisa Jackix, professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, no interior paulista. O primeiro passo, segundo ela, é valorizar as fontes dessas substâncias desde o café da manhã. Claro que, para isso, é imprescindível entender quais alimentos são esses (você vê alguns e aprende a inseri-los na rotina mais para frente nesta reportagem).
Só que, na pesquisa da Takeda, entre as pessoas que reconheceram não ingerir fibras, 39% relataram nem ter ideia de onde achá-las. “Isso é preocupante”, comenta Elisa.
Na opinião da nutricionista, muita gente acaba apostando as fichas nos produtos industrializados, já que há muita propaganda em torno da adição de fibras neles. “Ocorre que os principais redutos são os alimentos naturais”, aponta.
Apesar dessa confusão, 74% dos entrevistados asseguraram saber do papel desses compostos no funcionamento intestinal. Segundo a nutricionista Marcia Daskal, de São Paulo, essa é certamente a atuação mais clássica das fibras. “Primeiro, há uma ação mecânica, porque elas agem como vassouras, empurrando o bolo fecal”, ensina. “Além disso, há versões que contribuem para aumentar o volume das fezes”, completa.
E o benefício na área não se restringe a mais visitas ao banheiro. “A parte delas que é fermentada pelas bactérias serve de alimento para células da mucosa intestinal”, conta Marcia. Com isso, as substâncias indiretamente facilitam o aproveitamento de nutrientes.
Aliás, é importante reforçar este ponto: embora não sejam absorvidas, as fibras passam por transformações. É o caso dessa fermentação por bactérias intestinais.
A nutricionista Amanda Romero, pesquisadora da Universidade de São Paulo, nota que certas moléculas formadas a partir do processo, como os ácidos graxos de cadeia curta, teriam efeito mais amplo no corpo. “Há grande interesse em relação ao impacto desses subprodutos das fibras nos sistemas imunológico e neurológico”, exemplifica.
De acordo com a nutricionista Eliana Giuntini, do FoRC/USP, a fermentação ainda dá condições de as bactérias boas crescerem, enquanto minimiza a presença daquelas consideradas nocivas. Inclusive, a microbiota, como é chamada essa comunidade de micro-organismos, é um dos fenômenos que mais fascinam os cientistas hoje, em decorrência de sua provável ligação com diversas questões de saúde — de obesidade a câncer.
Na briga contra outras doenças da pesada, como diabetes, as fibras até atuam de forma mais direta. “Os alimentos fontes delas promovem uma melhor resposta glicêmica”, relata Eliana. Em outras palavras, significa que refeições fibrosas lentificam a absorção de nutrientes, como carboidratos.
O resultado disso é que não ocorrem picos de glicose no sangue. Esses disparos são um tormento porque, nesse contexto, o pâncreas precisa produzir um montão de insulina — o hormônio que bota a glicose dentro das células.
Com o tempo, o órgão tende a ficar exausto e, assim, a fabricação míngua. Ou a insulina simplesmente não consegue mais agir direito. São acontecimentos que contribuem para a sobra do açúcar no sangue e, ao longo do tempo, com o maior risco de diabetes.
Mas há um efeito mais imediato dessa descarga de insulina que todo mundo já deve ter sentido: fome pouco depois de comer. Ora, se a refeição não tem fibras, o aproveitamento dos alimentos é vapt-vupt. Aí o estômago ronca mesmo.
Outra habilidade da classe é no controle do colesterol. “As fibras se ligam aos ácidos biliares, estruturas essenciais para a absorção de gorduras da dieta, e incitam sua eliminação pelas fezes”, descreve Elisa. Essa expulsão obriga o organismo a produzir mais dos tais ácidos. “Para isso, retira-se o colesterol da circulação”, conta a nutricionista.
Não é coincidência que, segundo Mariana, um estudo mostrou que o incremento de 10 gramas de fibras reduziu em 14% o risco de problemas cardíacos. Chame-as como quiser, vital mesmo é tê-las no prato.
Como incluir fibras no café da manhã
Aveia
“Considero seu farelo a melhor alternativa para complementar o consumo diário de fibras, por ser uma fonte excelente e muito versátil”, elogia Mariana. A aveia pode ser acrescentada a saladas de frutas, vitaminas e receitas de bolos e pães.
Duas colheres de sopa do farelo concentram, em média, 4,2 gramas de fibras. A farinha do cereal, cabe dizer, tem uma quantidade menor, já que é obtida a partir da trituração de todo o grão. O farelo vem da área externa, mais fibrosa.
Também são pontos de concentração de fibras. Mas os teores variam. Para ter ideia, enquanto um kiwi reúne 1,7 grama desses compostos, a goiaba esbanja 4,5 gramas. Um belo motivo para diversificar o menu. “As pesquisas mostram, no entanto, que os brasileiros consomem basicamente banana, laranja, mamão e maçã”, informa Eliana.
Além de provar mais variedades, quando possível, mantenha a casca. Tem muita fibra escondida ali.
Granola caseira
Esse mix de cereais, frutas e oleaginosas pode ser encontrado prontinho no supermercado. Mas muitas marcas dão uma exagerada em ingredientes como açúcar. Compensa mais preparar sua própria granola — que é um poço de fibras.
Amanda sugere uma mistura de flocos de aveia, frutas secas, farinha de chia, castanhas, nozes e coco ralado para incrementar iogurtes e frutas. Já granolas salgadas têm afinidade com saladas.
Fazê-los em casa é o jeito perfeito de garantir um combo de fibras, com farinha integral, além de farelos e sementes. Ao comprar pães prontos, o segredo é investigar a lista de ingredientes, que está em ordem decrescente. Logo, os cereais integrais (e não a farinha branca) precisam surgir primeiro.
E atenção à tabela nutricional: para um item ser denominado “fonte” de fibras, deve ter, no mínimo, 2,5 gramas delas por porção. Para ser “rico”, o valor sobe para 5 gramas.
“São ótimas fontes de fibras e de substâncias antioxidantes”, resume Mariana. Ou seja, a turma é sucesso e merece espaço. “Elas podem entrar em receitas como bolos e vitaminas e também adicionadas ao preparo de pães”, aconselha.
Uma colher de sobremesa de chia e linhaça reúne, respectivamente, 3,4 e 3,3 gramas de fibras. A semente de abóbora é outra ótima pedida: a colher tem 3,5 gramas das substâncias.
Clássicos em xeque
Tapioca: não tem fibras e pode fazer a glicose disparar. Para mudar seu perfil, acrescente sementes ou recheie com frutas.
Cereais matinais: em geral, tem tanto açúcar neles que nem as fibras conseguem amenizar os picos de glicemia. Ao comprar, verifique o rótulo.
Pão com leite: é o desjejum do brasileiro, né? Em vez de abandonar, opte pelo pão integral, bote aveia no leite e agregue uma fruta.
Como incluir fibras nos lanches
Mix de oleaginosas
Fácil, fácil de carregar na bolsa, um punhado de 30 gramas de nozes, castanhas, baru, amendoim e companhia cai como uma luva entre as refeições principais. Apesar de a quantidade ser modesta, acredite: a barriga fica forrada de verdade.
Isso porque a combinação de gorduras boas e fibras (olha elas aí!) torna a digestão mais lenta. Aliás, é justamente pela presença de gorduras que não se recomenda abusar. E lembre-se: varie os tipos de oleaginosas.
Frutas secas e liofilizadas
Ostentam fibras e são práticas. Mas tenha em mente que elas perdem água. Ou seja, os nutrientes surgem concentrados, incluindo o açúcar.
Logo, não exagere. As liofilizadas passam por um processo de baixa pressão e temperatura. Ficam mais crocantes, com conteúdo mais bem preservado.
Iogurte turbinado
O iogurte natural é desses alimentos que têm tudo a ver com uma rotina equilibrada: possui cálcio, proteínas e bactérias boas.
Para representar um lanche mais atraente ainda, é só acrescentar fibras. Elas podem vir por meio de sementes, oleaginosas e frutas desidratadas ou naturais. A granola caseira e a aveia também são excelentes parceiros.
Como se vê, o iogurte é um tremendo curinga, pois serve de base para diversos itens fibrosos.
Legumes
Cenourinhas vendidas em pacote, tomates-cereja e palitos de aipo e pepino. Recrutar esses vegetais para as refeições intermediárias dá um boom no consumo de fibras. Sem falar que são tranquilos de transportar.
“Para quem deseja um lanche leve, essas opções fazem mais sentido do que castanhas e frutas secas”, diz Eliana.
Clássicos em xeque
Biscoitos: muitas vezes há açúcar e gorduras demais no pacote. E mais farinha branca do que integral. Olho na embalagem!
Barras de cereais: algumas ofertam tanto açúcar que convém chamá-las de doces. “Poucas marcas são fontes de fibras”, avisa Eliana.
Sucos de frutas: ao espremê-las, as fibras vão embora. Não coar dá uma ajudinha. A indicação das nutris é priorizar as frutas in natura.
Como incluir fibras no almoço e na janta
Como 90% do farelo permanece nessa versão, ela é mais vantajosa em relação à refinada, que, durante o processamento, perde gorduras, vitaminas, minerais e… fibras.
Mas há quem não se acostume com o sabor e a textura. Tudo bem. “Ao escolher o arroz branco, dá para compensar com outros alimentos durante a refeição, como saladas cruas, verduras, legumes, feijão e frutas”, tranquiliza Amanda.
Se quiser ousar, recorra ao cuscuz ou à quinua — essa última tem até mais fibras que o arroz integral.
Leguminosas
O grupo conta com ervilha, grão-de-bico e lentilha. Mas o feijão é seu ícone máximo. Até porque é ele quem ainda provê boa parte da modesta quantidade de fibras ingeridas no Brasil.
“Aconselha-se comer duas porções por dia”, recomenda Amanda. Por refeição, seriam duas partes de arroz para uma de feijão.
Infelizmente, especialistas têm notado uma queda no consumo do alimento. Para tê-lo diariamente, que tal cozinhar no fim de semana e congelar em pequenas porções?
Massas integrais
Também exibem mais fibras do que as refinadas — só que nem todos curtem. Se ficar com a massa branca, lance mão de estratégias para não acabar a refeição sem as substâncias.
São elas: abrir o menu com salada, privilegiar molhos com vegetais (como brócolis, cenoura e ervilha) e trocar o doce por uma fruta na sobremesa.
Há receitas de “espaguete” à base de pupunha e abobrinha que são ricas em fibras e menos calóricas.
Aveia
Você não leu errado: ela aparece aqui de novo. Lembra que foi definida como versátil? Não era exagero.
Como seu sabor é neutro, o cereal é adequado tanto para pratos salgados como doces. A aveia pode ser utilizada para engrossar caldos, sopas, feijões ou entrar em receitas de pães, panquecas e tortas.
Seus flocos ainda servem para empanar alimentos, como filé de frango ou bife bovino. Depois, leve ao forno em vez de fritar, tá?
Hortaliças
Outro time que não deixa a desejar no quesito fibras. E dá para enriquecer ainda mais um prato de folhas. Basta adicionar sementes e oleaginosas.
Já os legumes trariam mais vantagens se degustados crus. Quando isso não é possível, Amanda sugere refogá-los ou cozinhá-los no vapor para preservar os nutrientes.
A nutricionista Eliana lembra que alface, tomate e cebola formam a trinca de vegetais mais populares no Brasil. O ideal é abrir esse leque.
Fruta com chia na sobremesa
Você já sabe que as frutas ocupam posto de prestígio em termos de fibras. E a sobremesa é mais uma oportunidade de trazer esses alimentos à mesa.
Mas, para esse momento, há outra opção bacana: a chia. Em contato com a água, ela vira uma espécie de gel, crescendo cerca de 15 vezes.
Tal característica a torna interessante para algumas receitas, como sagu. É só misturar a semente com suco de uva integral e deixar na geladeira por quatro horas. Prove com outros sucos.
Clássicos em xeque
Purês: de vez em quando eles são os escolhidos para fazer parceria com carnes. O detalhe é que o prato fica desprovido de fibras, porque o mexe-mexe as destrói. Não abra mão dos vegetais para dar largada a uma refeição como essa.
Sopas: Eliana comenta que as mais fibrosas são as preparadas com leguminosas ou as que têm vegetais folhosos, como couve e repolho. Além da aveia, farelos podem engrossar caldos.
Quando suplementar?
Para Eliana, do FoRC-USP, não faz sentido trocar a comida, que traz prazer, por cápsulas e pós. A não ser que realmente estejamos em uma situação específica em que é impossível seguir uma alimentação normal.
Já Marcia Daskal acha válido recorrer a suplementos quando o colesterol está alto, o intestino anda preso ou durante uma viagem, em que a dieta sai do habitual. Na dúvida, converse com um médico ou nutricionista.