A notícia não é doce, aliás é até indigesta, para os mais de 40 milhões de brasileiros com pressão alta – especialmente para a parcela dessa gente que tem paladar de formiga. Segundo um estudo recém-publicado por dois médicos americanos, exagerar na sobremesa e em outros produtos açucarados teria um efeito mais pernicioso sobre os vasos sanguíneos do que sobrecarregar no sal. O título do artigo já dá uma ideia das suas conclusões: “Os cristais brancos errados…” Ora, se já está comprovado que os fãs do saleiro tendem a sofrer com o aperto nas artérias, será que o açúcar tornaria o cenário mais drástico?
Para a pesquisa, os cardiologistas James DiNicolantonio e Sean Lucan compararam 120 casos de pessoas que se excediam nas porções de doces ou salgados. “Notamos um efeito hipertensivo duas vezes maior nos indivíduos que ingeriam mais açúcar e carboidratos”, relata DiNicolantonio, do Instituto do Coração Saint Luke’s Mid America. Não contentes em revelar esse elo, os estudiosos foram examinar quais as razões fisiológicas que fariam do açúcar um vilão para os vasos. E perceberam que elas não são poucas.
Uma das principais, segundo DiNicolantonio, é que seu consumo exacerbado e frequente costuma elevar a concentração de ácido úrico no organismo, situação que por si só causa alterações no revestimento interno das artérias capazes de levar ao aumento da pressão. Mais: a alta no ácido úrico contribuiria para a retenção de sódio, outro estímulo para a hipertensão aparecer.
A confusão molecular dá as caras em outras frentes. E falaremos agora da resistência à insulina. Acompanhe o raciocínio: sempre que uma pessoa abusa do açúcar de mesa e de outros carboidratos, ela se sujeita a desenvolver, com o tempo, uma espécie de má atuação do hormônio que libera a entrada da glicose nas células. O organismo até tenta compensar, despejando mais insulina na circulação… “Mas esse estado de resistência e o excedente de glicose circulante acabam favorecendo o aumento da pressão e o envelhecimento das artérias”, explica Marcus Bolívar Malachias, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Por fim, ainda há uma ligação indireta entre o apetite açucarado e o sofrimento dos vasos. É o ganho de peso. A obesidade instaura um processo inflamatório generalizado que sabota a circulação e ainda está associada à tal resistência à insulina e à elevação do ácido úrico. Aí o raciocínio se fecha e a pressão decola. Não por menos, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica calcula que metade dos cidadãos acima do peso tenha hipertensão.
Ciladas e saídas
Preocupação em dose dupla despertam refrigerantes e outras bebidas industrializadas. Um levantamento conduzido pela Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo com 13 843 espanhóis flagrou uma íntima relação entre o maior consumo desses produtos e o aparecimento da pressão alta. Isso reforça a necessidade de maneirar nesses refrescos – sobretudo se você já é hipertenso.
Agora, tantas acusações contra o açúcar (seja no copo de refri, seja na bolacha recheada) não devem desligar o alerta sobre o sal. “Pelo contrário. Os dois ingredientes em excesso são prejudiciais e devem ser ingeridos com parcimônia”, afirma o cardiologista Luiz Bortolotto, do Instituto do Coração, o InCor, em São Paulo. Nesse sentido, uma forma de guiar o cardápio é aderir ao esquema da Dash, a dieta para baixar a pressão criada há décadas nos Estados Unidos e que é abastecida de frutas, hortaliças, oleaginosas e lácteos magros. Ela própria já preconiza o consumo reduzido de sal e… de açúcar! Na dúvida entre o pior dos cristais brancos, é prudente tomar cuidado com os dois.
Limite a doçura
Da mesma forma que os especialistas indicam nunca ultrapassar 2 gramas de sódio por dia (ou 5 gramas de sal), há uma orientação para não se entupir de açúcar. A Organização Mundial da Saúde estipula que apenas 5% das calorias diárias devam vir do ingrediente – só que, lembre-se, nessa conta entram os produtos industrializados. Daí que o recado é restringir ao máximo as colheradas de açúcar extra no suco, no café… O ideal é jamais passar de 1 colher de sopa de açúcar de mesa por dia.