Tratamento da ansiedade: só remédio sem terapia pode ser tiro no pé
Venda de ansiolíticos dispara no Brasil e levanta debate sobre a hipermedicalização de sentimentos e, por outro lado, a falta de tratamento a quem precisa
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A julgar pelos números das farmácias, o Brasil está ansioso e se medicando bastante. Nos últimos cinco anos, o clonazepam (Rivotril), ansiolítico mais pedido do país, registrou um aumento de 22% nas vendas — chegou a 38,9 milhões de caixas comercializadas em 2023. No mesmo período, o total de tranquilizantes comprados aumentou 102%, batendo mais de 239 milhões de embalagens.
“O uso crônico sem diagnóstico adequado representa um problema de saúde pública”, alerta a farmacêutica Walleri Torelli Reis, do Conselho Federal de Farmácia (CFF). “Pode causar tolerância, quando o paciente precisa tomar uma dose cada vez maior para ter o mesmo efeito, e dependência, quando consome por períodos prolongados sem necessidade clínica.”
Nesse cenário, as internações por transtornos mentais como a ansiedade também cresceram: houve aumento de 25% de 2022 para 2023, sendo que o número de hospitalizações de 2024 já se igualou ao total do ano passado.
O papel dos remédios contra ansiedade
Em geral, quadros leves ou moderados de ansiedade são tratados com terapia, e a mais indicada é a do tipo cognitivo-comportamental.
Já os mais graves demandam mesmo a prescrição de medicamentos — os mais receitados são os ansiolíticos e antidepressivos. Mas eles são um complemento. “Receitar remédio é como dar o peixe ao paciente. Vai matar a fome dele por um dia. Já indicar a terapia é como ensiná-lo a pescar. Ele terá o que comer por toda a vida”, compara a psicóloga Tracy Dennis-Tiwary, autora de Não Tenha Medo da Ansiedade (Sextante) – Clique para comprar*.
Com frequência, não adianta tomar comprimidos sem fazer terapia: ela age na causa, eles na consequência. “Ansiedade tem a ver com preocupação. O ansioso tende a se ‘pré-ocupar’ com algo que ainda não aconteceu e, talvez, não aconteça nunca”, pontua a psicanalista Mariana Mies, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. É preciso, portanto, rever e mudar o mindset.
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Enquanto tem gente que precisaria tomar remédio e não sabe ou não o faz, há quem use e abuse do expediente, ficando exposto mais a problemas do que a soluções. E alguns profissionais questionam justamente o efeito “tapar o sol com a peneira” da hipermedicalização.
“As emoções são ruins? Às vezes, são, mas é importante senti-las. Há dores que, se não forem incapacitantes, precisam ser enfrentadas por um bem maior”, defende Mariana.
Novas tecnologias e outras práticas
Além de terapia e remédio, hoje o leque de recursos para encarar a ansiedade se expandiu. Envolve até aplicativos de meditação e programas de realidade virtual, estes indicados a quem padece de fobia social.
Utilizada em casa ou no consultório, a ferramenta SocialUP3D, por exemplo, oferece seis opções de simulação (de festa a reunião) para desconstruir a tensão ao sair por aí. “É mais rápido e seguro que o tratamento convencional”, diz a psicóloga Cristiane Gebara, da USP.
Já a psiquiatra Ellen Vora, autora de Ansioso, e Agora? (Principium) – Clique para comprar*, sugere aulas de ioga. Faz sentido: cada vez mais estudos endossam a ideia de que a atividade física é um antídoto contra os males da psique. Exercícios aeróbicos simples como uma caminhada e outras modalidades podem surtir efeito.
E, não importa a idade, é prudente aprender a lidar com uma crise de ansiedade, daquelas que fazem o ar sumir.
Aqui, vale o conselho do gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR): procure fixar a atenção em um objeto qualquer. Se for um livro, pergunte a si mesmo: de quem é, quem escreveu, do que se trata, e assim por diante. Quando menos se espera, o mal-estar passou. “É um truque. Não elimina a causa, mas minimiza o sintoma”, diz o médico.
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