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Escetamina: o que esperar da próxima promessa contra a depressão

Saiba mais sobre o novo remédio em formato de spray nasal e com ação ultrarrápida que ajuda a individualizar o tratamento da depressão

Por André Biernath
Atualizado em 21 set 2020, 12h22 - Publicado em 23 jun 2019, 10h35
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  • A constatação de que nem toda depressão é igual — você pode conhecer os principais tipos do transtorno clicando aqui — é um dos motivos da busca por novos tratamentos. E o assunto emergiu agora com a aprovação nos Estados Unidos de um remédio diferente de tudo que existia até então. O holofote foi direcionado para a escetamina, da farmacêutica Janssen, utilizada por meio de um spray nasal. “Falamos da maior descoberta no campo da psiquiatria dos últimos 50 anos”, comemora o psiquiatra Acioly Lacerda, da Universidade Federal de São Paulo.

    O fármaco, que está em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e deve ser liberado no Brasil nos próximos 12 a 18 meses, empolga médicos e pacientes pelo ineditismo. Os antidepressivos tradicionais, disponíveis há décadas, atuam na bioquímica cerebral interferindo em três neurotransmissores associados à sensação de bem-estar — a serotonina, a noradrenalina e a dopamina.

    A nova medicação, porém, é a primeira a atuar sobre o glutamato, outra molécula da rede neural e reconhecida por estimular áreas do cérebro ligadas às emoções. Seu principal efeito é fortalecer e criar novas sinapses, as conexões entre os neurônios.

    E na prática, o que acontece? “N��o esperávamos que os resultados da escetamina aparecessem tão rápido e fossem tão robustos”, conta a SAÚDE o psiquiatra John Krystal, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, pioneiro nos estudos com o princípio ativo.

    Enquanto os comprimidos demoram de duas a três semanas para trazer melhoras, a novidade mostra serviço nas primeiras 24 horas após a primeira aplicação do spray no nariz.

    Química cerebral
    (Ilustração: Maíra Martines/SAÚDE é Vital)

    A escetamina exige cuidados

    Por mais inovadora que seja, a escetamina não está indicada para todos os casos, muito menos substituirá as demais opções nas farmácias. Ela será prescrita, pelo menos inicialmente, apenas na depressão resistente, quando o tratamento clássico não dá conta do recado.

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    “Sabe-se que cerca de 30% dos pacientes não apresentam melhora nenhuma com os antidepressivos comuns”, calcula o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Há a expectativa também de que o spray sirva em breve para os quadros com alto risco de suicídio, em que é preciso obter uma resposta terapêutica quanto antes.

    O controle sobre o remédio será um dos mais rígidos de que se tem notícia. As aplicações, feitas duas vezes por semana durante o primeiro mês, precisarão ocorrer obrigatoriamente em clínicas ou hospitais. O indivíduo ficará sob supervisão de um médico ou enfermeiro pelas duas horas seguintes.

    Isso se deve ao fato de uma parcela significativa de voluntários apresentar aumento da pressão arterial e a sensação de “estar fora do corpo” durante as fases de estudos. “Além disso, essa estratégia permite um acompanhamento maior e evita qualquer uso incorreto”, aponta o psiquiatra Kalil Duailibi, da Universidade de Santo Amaro, na capital paulista.

    O abuso nas doses, aliás, era outra apreensão: a escetamina é um primo-irmão 20 vezes mais fraco da cetamina, droga disponível desde os anos 1970. De forma ilegal, ela se popularizou em festas e raves por seus efeitos psicodélicos.

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    Na medicina e na veterinária, funciona oficialmente como anestésico em cirurgias e analgésico para animais de grande porte, como cavalos. “Em caráter experimental, a própria cetamina é administrada até hoje para lidar com a depressão”, relata o psiquiatra Lucas Quarantini, da Universidade Federal da Bahia.

    Com essa série de cuidados exigidos pelo governo americano em relação à opção recém-lançada, o risco de contrabando ou exageros acaba minimizado.

    O uso dos psicodélicos no tratamento da depressão

    O aval para a escetamina também é simbólico por ela ser a primeira representante da classe dos psicodélicos a conquistar reconhecimento terapêutico contra uma doença. Por muitos anos, drogas como o LSD e a psilocibina foram ignoradas pela ciência tradicional em razão de seu uso recreativo. Hoje existem vários centros de pesquisa testando de forma séria seus efeitos diante de transtornos mentais.

    “Não devemos considerar essa questão do ponto de vista dos valores e da moral, mas quanto essas substâncias podem ajudar na luta contra condições terríveis e debilitantes”, defende o professor Krystal.

    Que fique claro: cada uma delas precisará provar seu potencial em estudos antes de virar um tratamento de verdade. A exemplo da escetamina.

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    Outro paradigma que o remédio da Janssen ajuda a desconstruir é aquela noção de que depressão é uma coisa só. Da depressão maior, a mais diagnosticada, à melancólica e à psicótica, passando pela pós-parto, já foram descritos vários tipos da doença — e cada um deles pede uma abordagem individualizada.

    “Não dá pra simplificar algo que é, por sua própria natureza, tão complexo. Não é possível seguir uma receita de bolo e indicar a mesma saída para todos os pacientes”, afirma o psiquiatra Pedro do Prado Lima, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

    O Santo Graal da psiquiatria está em inventar algum tipo de exame capaz de denunciar as alterações (no sangue, na saliva, nos genes ou até no próprio cérebro) que ocorrem durante as crises de tristeza profunda. Com isso seria possível delinear um esquema terapêutico personalizado e com a mínima probabilidade de erros e recaídas.

    Enquanto esse dia não chega, resta ficar de olho nos sintomas (desânimo, angústia, culpa…) e visitar um especialista quando eles começarem a travar os compromissos no trabalho, na escola e na relação com amigos e familiares. Afinal, não é preciso ficar eternamente no preto, no branco ou no cinza: a vida merece ser bem mais colorida.

    A nova cara dos psicodélicos

    Escetamina: já aprovada nos Estados Unidos contra a depressão resistente. Demonstrou em diversos estudos ter uma ação veloz e robusta sobre as sinapses, as conexões entre os neurônios.

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    LSD: o ácido lisérgico é um dos alucinógenos mais potentes já criados. Em pesquisas preliminares, ajudou na ansiedade e na depressão. Precisa passar por mais testes.

    Psilocibina: extraída de cogumelos, teve seu auge nos anos 1960. Em ensaios clínicos, apresentou resposta contra a ansiedade. Não está liberada por nenhuma agência regulatória.

    Ayahuasca: chá feito de cipós e arbustos amazônicos, virou objeto de experimentos brasileiros que avaliaram sua ação frente à depressão. Não se sabe ao certo todos seus efeitos.

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