Nos últimos dias, três empresas diferentes anunciaram os resultados iniciais da última fase de pesquisas que buscam uma vacina contra Covid-19 (Sars-CoV-2). Depois do Centro Gamaleya e da Pfizer, foi a vez da Moderna informar que o seu imunizante teria 94,5% de eficácia contra a Covid-19. Mas se o estudo ainda não terminou, como já podemos falar de eficiência?
Antes de mais nada, é preciso diferenciar resultados preliminares de parciais. Eles parecem sinônimos, mas trazem diferenças importantes.
A microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, conta que todo protocolo de pesquisas desse tipo (fase 3) estipula uma quantidade mínima de eventos que devem ocorrer antes que os cientistas possam fazer uma análise preliminar que seja estatisticamente confiável. No caso em questão, é definido quantos voluntários precisam pegar o coronavírus e desenvolver sintomas.
Quando o número é atingido, os investigadores checam a eficiência da vacina ao contar quantos voluntários com sintomas estavam no grupo que tomou o imunizante e quantos receberam apenas um placebo. Se a maioria da turma que pegou Covid-19 não tomou a injeção de verdade, fica sinalizado que a vacina é eficaz. Isso é uma análise preliminar.
“O número mínimo de eventos é definido de acordo com cálculos estatísticos e varia de pesquisa para pesquisa. Na maioria das vezes, fica em torno de 150 a 170”, complementa Natália.
No protocolo da Moderna, ficou determinado que serão necessários 151 eventos. Já no da Pfizer, 164. O do Centro Gamaleya não foi disponibilizado ao público.
Só que, mesmo antes de alcançar esse número, os experts realizam a chamada análise interina ou parcial, com menos eventos. “É uma forma de observar no meio do caminho como está o andamento do estudo”, informa a microbiologista.
Foi o que fizeram as três empresas: a Pfizer, com 94 eventos, o Centro Gamaleya, com 20 e a Moderna, com 95. Mais recentemente, a Pfizer também anunciou seus dados preliminares — embora não tenha divulgado a pesquisa em si. Segundo a farmacêutica, a eficácia ficou em 95%, o que é bem alto. Com esses dados, ela pretende submeter sua vacina para uma aprovação emergencial junto ao FDA, o órgão que regulamente medicamentos nos Estados Unidos.
Mas a pesquisa continua depois da análise preliminar? Sim! Os estudiosos seguem avaliando a eficácia e a segurança das doses, verificando resultados em diferentes subgrupos (idosos, grupos de risco etc), avaliando a duração do efeito protetor…
Os resultados parciais ou preliminares já são suficientes para autorizar a vacina do coronavírus?
Natália explica que, mesmo atingindo o número mínimo de voluntários infectados para a análise preliminar, os laboratórios precisam aguardar um período de segurança. “O tempo exigido pelas agências regulatórias é, em geral, de dois meses de observação depois da aplicação da dose para avaliar os efeitos colaterais”, relata. E lembre-se de que certas vacinas precisam de duas aplicações.
Em teoria, é só a partir daí que as empresas pediriam a aprovação emergencial dos imunizantes nos diferentes países. Mas, diante de uma pandemia, é discutível se dados parciais muito positivos já não seriam suficientes para uma liberação do tipo, desde que o período de observação seja cumprido.
De qualquer forma, tanto a Pfizer quanto a Moderna se comprometeram, junto com mais sete companhias, a não pedir a aprovação das suas vacinas em nenhum país enquanto não fossem garantidas a eficácia e seguridade delas. Como a Pfizer bateu os marcos da análise preliminar, deve submeter a papelada para a aprovação em breve.
Esse processo é igual para o desenvolvimento de imunizantes fora de uma pandemia. A diferença é que, normalmente, os achados parciais são anunciados apenas internamente para manter as patrocinadoras a par do estudo. Hoje, por estarmos em meio à pandemia de Covid-19, as informações acabam chegando ao público.
A presidente do Instituto Questão de Ciência considera os dados divulgador até o momento animadores. Eles apontam que, de fato, é possível se proteger do coronavírus com uma vacina — e com uma eficiência maior que a esperada.
“Existem outras doenças para as quais nunca conseguimos criar um imunizante. Agora que sabemos que o método funciona para o coronavírus, só precisamos saber quanto de proteção cada uma oferece”, finaliza Natália.