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Teste genético: quando fazer?

Os exames de DNA estão cada vez mais acessíveis e podem ser feitos até em casa. Mas em que situações eles realmente trazem dados importantes à saúde?

Por Maurício Brum, com reportagem de Caroline Guarnieri e Valentina Bressan
21 fev 2022, 17h11

Há alguns anos distantes do dia a dia dos brasileiros, agora os testes genéticos não só estão mais viáveis de se fazer como alguns deles podem ser realizados dentro de casa e enviados ao laboratório pelo correio.

Esses exames, em evolução e expansão, ajudam a prevenir doenças, personalizar tratamentos, entender como o corpo reage a determinados hábitos e desbravar nossas origens.

Porém, com tanta versão e opção no mercado, como saber quais trazem informações confiáveis e úteis à saúde? Nossa equipe apurou quando e com que finalidade vale a pena sondar o DNA e tira as principais dúvidas sobre os testes disponíveis no país.

Os principais tipos de teste genético

O que muda é a forma de extrair o DNA do paciente:

  • Em casa: kits com testes para descobrir a ancestralidade ou a propensão a doenças são enviados à sua residência. Você esfrega um swab (tipo de cotonete longo) dentro da bochecha para recolher o material. Armazena num frasco ou saquinho especial e envia pelo correio para análise.
  • Em laboratório: amostras de saliva ou sangue são coletadas diariamente em centros de exame para a realização de testes genéticos que apuram o risco de uma ou várias patologias. Estudos sugerem que o sangue é o meio mais adequado a um sequenciamento genômico mais completo.
  • Em biópsias: são testes mais específicos (e caros) com o objetivo de conhecer melhor o perfil do tumor do qual foi retirada a amostra. Em alguns tipos de câncer, é possível avaliar se a quimioterapia é o tratamento mais indicado ou se o problema pode ser tratado de outras maneiras.

+ Leia também: Quando fazer teste para sair do isolamento por Covid-19?

Para prever e prevenir doenças sérias

A sopa de letrinhas do nosso DNA reúne pistas importantes sobre problemas de saúde que provavelmente vamos desenvolver no futuro. Às vezes a história da família deixa a situação evidente: alterações genéticas ligadas a enfermidades atravessam gerações e os membros do clã são claramente afetados por elas.

Mas há casos em que os genes — ou mutações neles — indicam maior propensão a doenças das quais nem desconfiamos. Ilustram esses dois contextos os famosos genes BRCA1 e BRAC2, marcadores de alto risco para câncer de mama, ovário e próstata, o CDH1, associado a tumores de estômago, e aqueles que fazem parte do grupo HLA, por trás de disfunções imunológicas.

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Foi graças a um teste genético que delatou uma mutação nos genes BRCA que a atriz americana Angelina Jolie descobriu a predisposição ao câncer de mama e decidiu se submeter a uma mastectomia preventiva.

Esse tipo de exame que apura trechos específicos do DNA é recomendado sobretudo quando há histórico familiar de uma doença. Mas é preciso esclarecer que nem toda culpa recai sobre os genes: fatores ambientais e comportamentais (como o tabagismo) aumentam as chances de desencadear o problema.

“Poucos marcadores são absolutos, então se torna um jogo de estatísticas baseado na frequência com que um gene está associado a uma doença”, explica o biólogo Michael Myers, do Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia, na Itália, órgão vinculado à ONU.

“Quanto mais fortemente o marcador estiver ligado àquela característica apontada pelos estudos, mais certeza você tem de que a pessoa sofrerá da doença”, resume.

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Para direcionar o tratamento

Uma das aplicações mais bem-sucedidas desse ramo dos testes genéticos está na oncologia. Hoje, com exames feitos pelo sangue ou em cima de uma biópsia do tumor, é possível selecionar o melhor caminho para enfrentar a doença.

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“A quimioterapia é utilizada para tratar o câncer de mama após a cirurgia, mas muitas vezes ficamos na incerteza dos seus benefícios”, exemplifica o mastologista André Mattar, diretor do Núcleo de Oncologia Clínica do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. É aí que entra a análise do DNA.

A equipe de Mattar conduziu, junto ao Grupo Fleury, um estudo com 179 pacientes com câncer de mama submetidas ao Oncotype DX, um teste genético que permite determinar as características do tumor e a necessidade, ou não, das sessões de quimioterapia.

Em dois terços dos casos, a recomendação inicial mudou: 63% das mulheres que fariam químio tiveram a indicação alterada para um tratamento isolado com hormonioterapia, enquanto 3% que não fariam acabaram descobrindo que essa era a melhor linha de ação para subjugar o tumor.

Na prática, o exame evita que pacientes passem desnecessariamente por uma terapia que não traria vantagem e ainda poderia provocar reações adversas. Métodos semelhantes começam a ser empregados para definir o melhor tratamento contra tumores de cólon e próstata.

O desafio por ora é que testes como o Oncotype são caros e ainda indisponíveis no SUS, mas os médicos acreditam que isso vá mudar. Segundo Mattar, a químio pode levar a complicações sérias que fustigam o paciente e o sistema de saúde. “Ao reduzir a indicação da quimioterapia e ajudar a decidir o melhor tratamento, o teste poderá mostrar seu custo-efetividade”, prevê.

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Para escolher o remédio adequado

Antes de chegarem às gôndolas das farmácias, os medicamentos passam por uma série de estudos que demonstram sua eficácia e segurança para a maioria dos cidadãos — e ainda há um sistema de vigilância que acompanha eventuais reveses entre a população.

Mas basta ler a bula para perceber que até mesmo um corriqueiro comprimido para dor de cabeça tem suas contraindicações e efeitos colaterais, ainda que sejam eventos raros. Muitas vezes, a explicação para o sucesso ou os incômodos de um remédio passa pelo DNA.

E já há testes que avaliam como nosso corpo responde às medicações e auxiliam a compreender por que uma droga funciona ou não como deveria.

A área que estuda esse elo é a farmacogenética, e ela se dedica a investigar desde a atuação de remédios isentos de prescrição como a dipirona ou o paracetamol até a interação com o organismo de medicamentos controlados como antidepressivos — um dos campos que mais apostam nessa ferramenta é justamente a psiquiatria, pois não é raro encontrar pacientes que não tiram proveito de um fármaco nas primeiras tentativas.

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“O brasileiro adora receitar remédio para os outros, mas o que pode ser ótimo para mim não necessariamente é bom para o meu vizinho”, afirma a geneticista Mayana Zatz, professora da Universidade de São Paulo (USP).

“Temos uma resposta diferente à mesma droga de acordo com o perfil genômico. Ainda estamos no começo desse entendimento, mas o desenvolvimento da farmacogenômica vai revolucionar a medicina”, projeta a coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP.

+ Leia também: Os genes ao nosso alcance

Para checar se meus filhos terão uma doença

Eis um dos primeiros exames que fazemos na vida: a retirada de uma amostra de sangue do calcanhar do recém-nascido permite averiguar se a criança terá algum distúrbio genético potencialmente grave, como anemia falciforme e fibrose cística. É o teste do pezinho, cuja lista de doenças apuradas foi ampliada no SUS em 2021 — de seis para até 50 condições.

A ferramenta se baseia em métodos bioquímicos e, por mais que seja indispensável para pegar doenças raras ligadas ao DNA, não contempla diversos problemas a que os pequenos estão expostos.

“Nós conhecemos em torno de 5 mil doenças genéticas diferentes. Excluímos algumas delas no teste do pezinho, mas isso não significa que uma criança não possa manifestar outros quadros”, pontua Regina Netto, professora de genética médica da USP.

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Para suprir as lacunas, podem entrar em cena, a critério do profissional e/ou da família, painéis genômicos mais completos. Além dos testes do pezinho em versão estendida feitos em âmbito privado, há exames como o teste da bochechinha, da Mendelics, que caça mais de 340 doenças — o nome se deve à forma de colher o material genético, por meio de um swab, uma espécie de cotonete, passado no interior da bochecha.

Nessa linha, a Dasa prepara o lançamento do Baby Genes, um exame que analisa aproximadamente 420 genes: além de identificar mais enfermidades, a ideia é que ele também sirva de complemento ao teste do pezinho convencional, confirmando diagnósticos, evitando falsos negativos e ajudando a definir tratamentos mais certeiros. A expectativa é que, pelo menos a princípio, eles sejam realizados de modo particular ou cobertos por alguns planos de saúde.

+ LEIA TAMBÉM: Os avanços da genética para prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças

Para participar de estudos científicos

Cada coleta de DNA tem o potencial de contribuir com a medicina e aumentar o conhecimento sobre as bases genéticas de um extenso rol de doenças — das raras às prevalentes.

Mantidas de forma anônima em bancos de dados públicos ou privados, as amostras podem ser comparadas com milhares de outras para obter resultados mais refinados sobre a predisposição a problemas, a eleição de tratamentos e o mapeamento da ancestralidade.

O processo também pode ser uma via de mão dupla, em que tanto você como a ciência ganham. Exames como o meuDNA Saúde, uma das marcas disponíveis no país (você coleta em casa com um swab e manda por correio), são vendidos com a proposta de valerem “para a vida toda”.

Isso significa que sua amostra fica conservada e pode voltar a ser consultada depois, quando novas análises de genes e doenças estiverem disponíveis.

Outra aposta é a aliança dos marcadores genéticos com a inteligência artificial: no futuro, programas de computador conseguirão associar nossos genes a fatores de risco comportamentais e ambientais, oferecendo conselhos mais precisos para o dia a dia.

Nesse contexto, há quem se preocupe com o sigilo dos dados guardados em bancos de DNA. “Quanto mais deterministas e absolutos os resultados, maior será o benefício potencial para a saúde da humanidade, mas também maior o risco de que sejam usados para discriminar pessoas de acordo com a propensão a doenças”, analisa Myers.

Não à toa, para garantir o anonimato, as amostras costumam ser mantidas sem identificação dos dados pessoais do dono e as informações ficam protegidas por camadas de criptografia.

Para formular melhor o estilo de vida

E se, além de ajudar a saber o risco de algum perrengue futuro e a melhor forma de tratá-lo, o DNA também tivesse a chave para você montar um treino e uma dieta realmente personalizados? Alguns testes disponíveis no mercado prometem exatamente isso ao inspecionar os genes que guardam o mapa de como metabolizamos determinados nutrientes e a resposta do nosso corpo a diferentes regimes de exercícios.

Seria possível, por exemplo, estabelecer qual a sensibilidade do seu organismo a carboidratos ou gorduras, concluindo se um cardápio com restrição desse ou de outro ingrediente seria vantajoso ao seu peso e à sua saúde. No entanto, esse ainda é um domínio controverso.

Especialistas argumentam que faltam pesquisas mais robustas cravando que esse mapeamento é uma estratégia eficiente para mudar o estilo de vida. Até porque há recomendações que se aplicam a todo mundo, a despeito dos genes, como praticar atividades aeróbicas regularmente e garantir refeições nutritivas e balanceadas.

“Muitas vezes, há uma supervalorização do teste genético em detrimento do desenvolvimento de bons hábitos que deveriam ser mantidos por todos nós”, reflete Regina.

Enquanto a genômica progride nessa área, uma das orientações é partir para esses exames quando as medidas comportamentais tradicionais e as prescrições profissionais não estiverem surtindo efeito, principalmente naqueles casos em que a pessoa precisa perder peso e não consegue.

É quando o olhar para o DNA pode trazer um elemento extra para delinear um plano ainda mais personalizado. Lembrando que ele não exclui aquelas regras e cuidados básicos e o aconselhamento médico.

Para desvendar suas origens

Os testes de ancestralidade se tornaram um dos mais populares e não faltam empresas oferecendo o serviço na internet. Seguem aquela lógica de coletar a amostra de saliva em casa e despachá-la pelo correio. Semanas depois, você tem acesso a um mapa-múndi indicando com percentuais de onde provavelmente vieram seus genes e seus antepassados.

“Eles são direcionados para mostrar as variações genéticas que você carrega que são mais frequentes em algumas regiões geográficas do planeta”, elucida a professora Regina. Ao buscar os marcadores mais comuns em determinados grupos étnicos, esse levantamento permite detectar com maior certeza a origem de seus ancestrais, às vezes com resultados surpreendentes.

Conforme avançam as gerações, parte dos traços genéticos não passa adiante. Assim, não é incomum que mesmo irmãos acabem com porcentagens diferentes do DNA herdado de cada parte do mundo.

“O resultado é uma estimativa do que está presente em você, mas não significa que não haja outras ancestralidades que podem ter sido perdidas ou estar sub-representadas”, afirma a bióloga da USP.

Sucesso comercial, esses testes tendem a ser mais simples, por isso cabe uma dose de cautela com versões que anunciam não só mapear suas raízes como a propensão a doenças geralmente associadas a etnias. Se o interesse for descobrir se você herdou algum gene que predispõe a uma doença na família, o ideal é procurar um exame específico para essa finalidade.

“Em testes usados principalmente para determinar a herança familiar, o poder estatístico dos marcadores de doenças e suas margens de erro podem não ter sido totalmente validados”, avisa Myers.

+ ASSISTA: Pesquisa brasileira traz novo jeito de ler o genoma dos vírus

Tira-dúvidas antes de fazer

Respostas para perguntas frequentes sobre o acesso aos testes genéticos, seus limites e a segurança do processo

Esses exames são caros?
Depende. Um teste simples para conhecer a ancestralidade, sem informações sobre predisposição a doenças, custa em torno de 400 reais. Já um exame detalhado para direcionar o tratamento do câncer, como o Oncotype, pode chegar a 15 mil.

Em qualquer cenário envolvendo a saúde, deve-se contar com um especialista para interpretar os achados.

Convênios e rede pública oferecem?
Desde 2014, os planos de saúde são obrigados a custear testes genéticos para prevenir câncer de mama e ovário — e outros exames vêm sendo incorporados gradualmente.

Ainda tramita no Congresso um projeto de lei para obrigar o SUS a fazer o mesmo, inclusive com métodos que ajudem a determinar o tratamento para os tumores.

Dá para confiar nos testes voltados a dieta e exercício?
Ainda faltam estudos maiores e conclusivos. Muitas das recomendações sobre alimentação e exercícios acabam sendo parecidas com o que normalmente se prescreve à maioria das pessoas.

Hoje, essas ferramentas seriam mais úteis a indivíduos acima do peso que não estão conseguindo obter êxito com as abordagens convencionais.

Por que esses exames não deduram doenças comuns?
Obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão são alguns exemplos de problemas crônicos prevalentes que até podem contar com predisposição genética — em geral, são vários genes envolvidos —, mas sofrem forte influência do ambiente e dos hábitos. Exemplo: um fumante corre maior risco de infarto, AVC e câncer de pulmão, não importa o que o DNA diga.

Meus dados ficam seguros e confidenciais?
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018, exige que as informações obtidas pelos exames permaneçam em sigilo. Uma das preocupações é evitar que os resultados vazem e sirvam para aumentar o preço do plano de saúde, por exemplo. Anonimização e criptografia são empregadas pelas empresas que coletam e analisam os genes.

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