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Tabagismo: a guerra não acabou

A luta contra a dependência obteve grandes conquistas, mas o interesse por produtos alternativos ao cigarro, como narguilé, começa a preocupar

Por André Biernath
Atualizado em 29 out 2019, 10h57 - Publicado em 22 Maio 2017, 09h02
cigarro-tabagismo
Apesar da evolução contra o tabaco, não podemos baixar a guarda (GI/Getty Images)
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Os números assustam: o planeta abriga mais de 1 bilhão de fumantes e amarga 6 milhões de mortes relacionadas ao tabaco por ano — com projeção de crescimento para 8 milhões em 2030. Esses são alguns dos achados de um relatório recém-publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os impactos das leis de controle do tabagismo encampadas por vários países. O objetivo da entidade era apurar se as restrições de propaganda e a proibição de fumar em locais fechados que ganharam força a partir dos anos 2000 teriam algum efeito colateral na economia.

A conclusão do documento não deixa dúvidas: os benefícios na saúde superam de longe possíveis perdas de emprego ou de impostos. “Em 2011, o Brasil gastou 23 bilhões com o tratamento de enfermidades provocadas pelo cigarro, enquanto arrecadou só 6 bilhões com esses produtos”, compara a médica Tânia Cavalcante, do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e secretária-executiva da Comissão para a Implementação da Convenção-Quadro, tratado internacional assinado por várias nações em 2003 que impulsionou medidas antitabaco.

Essa cruzada global contra os maços se justifica quando nos lembramos dos males causados pelo hábito nocivo. “Ele é um dos maiores vilões por trás de enfisema, doença pulmonar obstrutiva crônica, tumores, infarto, angina e acidente vascular cerebral”, enumera o pneumologista Elie Fiss, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Isso vale tanto para fumantes ativos quanto para os passivos, aqueles que inalam os gases baforados no ambiente. Um total de 600 mil pessoas morrem todo ano por encrencas suscitadas pelo vício alheio, sem colocarem um cigarro sequer na boca.

Outro fenômeno que inquieta os cientistas é o fumo de terceira mão. Novos estudos revelam que as toxinas liberadas pelo cigarro ficam impregnadas no cabelo, na roupa, no carpete e nos móveis por até 18 horas após a queima do tabaco e têm um potencial de provocar problemas, especialmente em crianças. “Nesse sentido, de nada adianta ir fumar na sacada ou no quintal, pois a família inteira continuará sob risco”, constata o cardiologista Márcio Gonçalves de Sousa, do Comitê de Controle do Tabagismo da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Por mais que estejamos longe de cantar vitória na batalha contra o cigarro, é necessário reconhecer que avanços importantes ocorreram nas últimas décadas. Se, em 1989, 35% da população brasileira fumava, atualmente essa proporção não ultrapassa os 10%.

As regras que extinguiram o costume de tragar em lugares fechados também tiveram repercussão — é até estranho imaginar hoje em dia alguém acendendo um cigarro no meio de um restaurante. “Nos primeiros 18 meses após a implementação da lei, 500 mortes por infarto foram evitadas na cidade de São Paulo”, estima a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (InCor), na capital paulista, que orientou uma pesquisa sobre o tema.

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Novas trincheiras precisam ser abertas na regulação da publicidade nos pontos de venda, impedindo que os pacotes capturem a atenção e fiquem perto de artigos infantis como balas e doces, na padronização das embalagens, de modo que elas não sejam chamativas e bonitas, na inibição do contrabando e do comércio ilegal, que já abocanham 25% do mercado nacional e, principalmente, na proibição de aditivos, como sabores e aromas. “Eles deixam o cigarro palatável e atrativo para iniciantes, geralmente adolescentes, caírem no vício”, explica a pneumologista Maria da Penha Uchôa, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. O projeto de lei que abole o uso de tais substâncias no país passou por um monte de embargos e está paralisado no Supremo Tribunal Federal.

Lobo em pele de cordeiro

A difusão de alternativas para consumir tabaco coloca uma pulga atrás da orelha dos experts. A grande promessa no contra-ataque da indústria é o narguilé, um cachimbo d’água da tradição árabe que foi recentemente importado para o Ocidente. Nos Estados Unidos, estima-se que 20% das pessoas de 18 a 24 anos utilizem o aparato. Em terras tupiniquins, a Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2013 detectou um aumento de duas vezes no número de usuários de 2008 em diante.

Os jovens são atraídos pela ideia de que o hookah, um segundo nome do apetrecho, é menos danoso. Não podiam estar mais enganados. Apesar de não existirem muitos trabalhos científicos publicados sobre o assunto, a OMS garante: o cachimbo d’água leva a consequências nefastas similares às de seu primo-irmão tradicional. “Em uma sessão de narguilé de uma hora se inalam quantidades de fumaça equivalentes a 100 cigarros”, alerta Maria da Penha. Isso sem contar o risco de transmissão de males infecciosos. Como a mangueira é compartilhada por vários indivíduos, todos ficam expostos a herpes, hepatite, tuberculose e companhia ilimitada.

O cigarro eletrônico também gera acalorados debates. Ele vem com uma bateria que esquenta e vaporiza soluções químicas e água. Há quem defenda o método como um estágio intermediário do processo para abandonar o tabaco. Mas a falta de regulamentação desses itens levanta suspeita: algumas investigações flagraram metais tóxicos pesados como cádmio e chumbo no dispositivo. Diferentemente de outros países, o aparelho está banido no Brasil desde 2009. “O sujeito inspira uma série de compostos que nem conhecemos direito, que dirá dos seus efeitos na saúde”, diz o cirurgião oncológico Jefferson Luiz Gross, diretor do Núcleo de Pulmão e Tórax do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.

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Para aqueles que desejam acabar com a dependência de nicotina — seja qual for o veículo para introduzi-la no organismo —, é essencial lembrar que tem tratamento seguro e efetivo. Procurar um médico, como o cardiologista ou o pneumologista, eleva em oito vezes as taxas de sucesso e torna factível o sonho de um mundo livre do cigarro. Como doença, o tabagismo deve ser encarado com todas as armas disponíveis. Está aí uma guerra que vale a pena lutar — e sobreviver para contar história.

Os ganhos de quem vence o vício

Em 20 minutos: os batimentos cardíacos e a pressão arterial se normalizam.

Em 12 horas: o nível de monóxido de carbono no corpo desce para parâmetros saudáveis.

De 2 a 12 semanas: a circulação sanguínea e a função pulmonar melhoram bastante.

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De 1 a 9 meses: tosse e respiração entrecortada típicas dos fumantes se tornam raras.

Em 1 ano: o risco de sofrer uma doença do coração (como um infarto) cai pela metade.

Em 5 anos: a probabilidade de acidente vascular cerebral fica próxima ao de não tabagistas

Em 10 anos: o perigo de desenvolver um câncer de pulmão despenca em 50%.

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Em 15 anos: as artérias do coração estão tão protegidas quanto as de quem não fuma.

Apoio para largar

Remédios: vareniclina e bupropiona são as medicações usadas. Elas agem no cérebro e diminuem a vontade de fumar, além de trazer sensação de bem-estar.

Nicotina: o médico prescreve a terapia de reposição da substância por meio de adesivo ou gel. Sua eficácia é menor em relação aos fármacos.

Psicólogo: as sessões de psicoterapia são importantes para aplacar a ansiedade e encontrar formas de driblar as tentações do
dia a dia.

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