Um estudo brasileiro publicado no Clinical Infectious Diseases sugere que pessoas contaminas pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) correm menos risco de morrer por Covid-19 se já tiverem enfrentado a dengue em algum momento da vida.
A pesquisa foi realizada pelas universidades federais do Acre (UFAC) e do Paraná (UFPR) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com a Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Os cientistas analisaram 2 351 indivíduos no estado do Acre diagnosticados com o coronavírus entre 17 de março e 26 de agosto de 2020.
Eles entraram em contato por telefone para coletar informações de cada um dos participantes por três vezes: nos primeiros dias, após um mês e 60 dias depois da detecção da Covid-19. No caso dos pacientes que vieram a óbito durante o período, os pesquisadores conversavam com um familiar.
Durante as ligações, 1 177 pessoas (50%) relataram infecção anterior de dengue causada pelo mosquito Aedes aegypti. Além disso, foram informadas 38 mortes — 12 entre quem teve dengue e 26 entre os que não apresentaram essa doença.
No fim da análise, constatou-se que os participantes sem histórico de dengue apresentavam um risco 23% maior de morte por Covid-19 nos 60 dias seguintes ao diagnóstico. De acordo com os autores, o resultado sugere que essa arbovirose é capaz de induzir certa proteção imunológica contra o Sars-CoV-2.
Como a dengue protegeria contra o novo coronavírus
O cardiologista Odilson Silvestre, professor da UFAC e líder do estudo, explica que a proteção decorreria de um fenômeno chamado imunidade cruzada. “Ao ter contato com uma doença, o organismo desenvolve anticorpos contra ela. A imunidade formada aí poderia servir, depois, para nos defender de outro problema de saúde”, afirma.
Há um fator que reforça essa hipótese: outra pesquisa brasileira revelou que os estados do país com maior número de casos de dengue entre janeiro de 2019 e julho de 2020 foram os locais com índices mais baixos de morte por coronavírus – vale reforçar que esse trabalho está em fase de pré-publicação, ou seja, ainda não foi revisado.
Quem já foi picado pelo Aedes aegypti pode relaxar?
Nada disso. Cabe ressaltar que também houverem mortes por Covid-19 no grupo que já havia sofrido com a dengue. Além disso, é essencial conhecer as limitações da análise. Primeiramente, Odilson Silvestre lembra que essa é uma pesquisa observacional e, portanto, não dá para bater o martelo sobre causa e efeito.
“Foi um estudo gerador de hipótese, que traz uma ideia nova para ser testada”, define. “Não é possível ser taxativo e cravar que quem teve dengue está protegido contra o Sars-CoV-2, como se tivesse tomado uma vacina”, reforça.
Uma limitação importante é a de que os cientistas não realizaram um teste para saber se as pessoas realmente foram infectadas pela dengue ao longo da vida. Eles só perguntavam se os voluntários já tinham pegado a doença. Em outras palavras, parte dos indivíduos pode ter apenas sentido sintomas suspeitos em algum momento da vida, mas nunca confirmado o diagnóstico com um exame.
Outro ponto levantado pelo cardiologista é a probabilidade de o comportamento das pessoas ter influenciado no resultado: quem se lembra dos sofrimentos provocados por uma infecção séria tende a se proteger mais contra outros vírus no futuro. “A gente chama isso de viés do paciente saudável. Quem se recorda de enfermidades antigas em geral se cuida mais, como nesse momento de pandemia”, raciocina.
Cuidados redobrados no verão
Apesar de o Sars-CoV-2 estar no centro das atenções, não dá para se descuidar da prevenção contra a dengue. O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde mostrou que foram notificados 979 764 casos entre 29 de dezembro de 2019 e 5 de dezembro de 2020.
Se olharmos para o boletim de 2019, dá até para ficar otimista, já que, naquele ano, foram relatados mais de 1,5 milhão de diagnósticos.
Porém, o número nos três primeiros meses de 2020 se mostrou superior ao do mesmo período no ano anterior. A partir de março, quando as medidas de isolamento social começaram a ser implementadas no Brasil, ele desceu drasticamente e permaneceu mais baixo até o fim do ano.
Os autores do documento apontam que essa redução seria atribuída ao atraso ou à subnotificação de arboviroses, devido ao foco das equipes de vigilância epidemiológica estar voltado à pandemia. Sem falar no receio da população em sair de casa para procurar ajuda médica ao surgirem os sintomas de dengue. Conclusão: o número de brasileiros que pegaram a enfermidade pode ser bem maior que o registrado.
É necessário ficar ainda mais alerta nesse período do ano, que é quando o pico de casos de dengue acontece. Afinal, a última coisa que o já sobrecarregado sistema público de saúde precisa é de duas epidemias simultâneas.
Por isso, além de seguir usando máscara, higienizando as mãos e cumprindo o distanciamento social, não deixe focos de água parada por perto. É esse tipo de ambiente que o mosquito Aedes aegypti utiliza para se reproduzir.