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O que instituições de saúde acham da PEC 241

A proposta do governo é limitar os gastos públicos, inclusive na área da saúde. Veja o posicionamento de entidades brasileiras que atuam nessa área

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 25 out 2016, 19h38 - Publicado em 13 out 2016, 12h55

O governo brasileiro está pressionando para o Congresso Nacional aprovar a polêmica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241. Em resumo, ela limita o aumento de gastos públicos em diversos setores à variação da inflação — a alegação é a de conter a crise diminuindo as despesas. Divergências econômicas a parte, a pasta da Saúde também foi incluída no plano, o que gerou preocupação por parte de profissionais e entidades da área. Se o projeto for aprovado na íntegra, os cortes com saúde se estenderão por 20 anos.

O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) afirma: “O governo comete grave erro ao penalizar áreas sociais como a saúde e a educação, com cortes por 20 anos. Atinge direitos elementares dos cidadãos sem uma argumentação razoável, já que a redução de despesas poderia vir de outras rubricas”. Realmente, os novos tratamentos e o surgimento de epidemias, entre outras tantas demandas, trazem custos consideráveis para atender à população.

Outra ponderação interessante foi feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma referência em pesquisa e saúde e pública. “Tudo se passa como se o gasto realizado no setor de saúde tivesse um efeito negativo na economia, elidindo para além de seu papel essencial de bem-estar da população e sua importância como complexo produtivo na formação do PIB. O efeito multiplicador do gasto em saúde é conhecido. Para cada 1 real gasto em saúde, verifica-se um incremento de 1,70 no PIB”. Ou seja, cortar gastos em saúde seria sinônimo de, no fim das contas, frear a economia nacional.  “É uma verdadeira afronta às necessidades da sociedade!”, diz o comunicado da Fiocruz.

Leia também: 3 frases de Drauzio Varella pra pensarmos sobre nossa saúde

A Associação Paulista de Medicina, embora concorde com a PEC 241em termos gerais, discorda maneira pela qual o setor de saúde será incluído. Colocamos abaixo as notas de algumas associações da área de saúde que se posicionaram com relação à PEC.

Conselho Regional de Enfermagem (Coren-SP):
O Brasil realmente precisa de mudanças. Para vencer a atual crise econômica e colocar o país no rumo certo, é necessária uma política firme de ajuste fiscal, com medidas que reduzam os gastos públicos, diminuam o intervencionismo do Estado e criem base sustentável para a retomada da produção, dos investimentos, dos níveis de emprego e do crescimento.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 aprovada ontem em primeira votação pela Câmara dos Deputados traz em seu texto alguns aspectos realmente positivos que apontam nesse sentido. Estabelecer limites para os gastos públicos é de suma importância para a reorganização orçamentária, além de exigência da população.

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O governo, no entanto, comete grave erro ao penalizar áreas sociais como a saúde e a educação, com cortes por 20 anos. Atinge direitos elementares dos cidadãos sem uma argumentação razoável, já que a redução de despesas poderia vir de outras rubricas.

No campo da saúde as perdas chegarão a R$ 743 bilhões em duas décadas, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). São cortes que causarão mais prejuízos ao Sistema Único de Saúde (SUS), que hoje já se encontra à beira da UTI em virtude do subfinanciamento.

O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) condena esse lado obscuro da PEC 241. Ela diminuirá drasticamente o alcance e a qualidade dos serviços de assistência em saúde, penalizando sobretudo as parcelas mais vulneráveis da população, cuja renda não permite recorrer à rede suplementar. Estamos falando de 150 milhões de brasileiros que dependem diretamente do SUS.

É por estarmos nos piores lugares do ranking mundial de investimento em saúde que, segundo o DataSUS, 707 mil pessoas morreram em 2014 em decorrência de doenças evitáveis, como gripe e infecções intestinais. Esse cenário é reflexo do descaso das autoridades com as políticas inclusivas.

É irresponsável brecar o investimento em saúde diante de crise econômica. A PEC 241 coloca em risco eminente o atendimento a milhões de brasileiros que pagam seus impostos em dia e devem ter, por direito constitucional, acesso à saúde integral, universal e de qualidade.
Associação Paulista de Medicina:

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De um modo geral, a sociedade tem apoiado as medidas necessárias ao ajuste econômico, considerando o estado atual das contas públicas, com acúmulo de enorme déficit fiscal. A principal causa desta situação foi o gasto excessivo por parte do governo anterior.

Foi um expediente usado para a reeleição, por meio do recurso da “contabilidade criativa”, posteriormente identificada. E que levou ao impeachment da presidente Dilma.

Isto tudo sem falar da corrupção que prevaleceu durante anos, saqueando os cofres públicos e gerando falta de credibilidade do país junto aos setores produtivos e investidores. Hoje convivemos com inflação alta, juros elevados e queda do Produto Interno Bruno [PIB], que tem como consequência o desemprego e a redução do poder aquisitivo da população.

Significativos setores da sociedade tem demonstrado apoio às medidas contidas na PEC 241, que limita gastos dos três níveis de governo a inflação do ano anterior. A aplicação está prevista para os próximos 20 anos e representa a principal medida para a retomada do crescimento econômico.

A grande preocupação com esta medida está justamente no orçamento da Saúde Pública. O SUS convive atualmente com importante carência de recursos.

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Investimos apenas 3,5% do PIB em saúde pública, enquanto países com sistema semelhante aplicam em torno de 8%. A consequência está aos olhos de todos: serviços de emergências superlotados, falta de leitos hospitalares, de acesso aos serviços básicos e especializados.

Precisamos considerar que a inflação em saúde é quase sempre o dobro dos índices do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). É consequência de vários fatores impossíveis de serem administrados, como o aumento da população e o seu progressivo envelhecimento, além da introdução de novas tecnologias e novos medicamentos, que geram custos crescentes.

Pesam também na conta o surgimento de novas doenças que trazem demandas adicionais, o avanço do conhecimento técnico e científico que trazem novos métodos de prevenção e tratamento etc. Ademais, com o crescimento do número de escolas médicas, teremos nos próximos anos o dobro de médicos em relação ao número atual, que certamente provocarão custos adicionais ao serem alocados no mercado de trabalho.

Nesse cenário de custos crescentes incontroláveis e orçamento congelado, teremos na prática redução da quantidade de serviços oferecidos à população, por absoluta falta de recursos, agravando ainda mais o quadro atual. Por essa razão, a Associação Paulista de Medicina, a despeito de apoiar as medidas de ajuste fiscal contidas na PEC 241, entende que deveria haver algum dispositivo que garantisse no mínimo a reposição da inflação em saúde, necessária para, no mínimo, manter os serviços hoje existentes.

Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

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A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição estratégica do Estado para a ciência e a tecnologia em saúde, dirige-se, por resolução de seu Conselho Deliberativo, ao conjunto da sociedade brasileira e, em especial, ao Governo Federal e o Congresso Nacional para alertar sobre os efeitos negativos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, assim como os de outros projetos legislativos em curso, que conformam um projeto de revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde e o desenvolvimento da cidadania e que, se aprovados, implicariam danos significativos à saúde e à vida das pessoas.

A proposição da PEC 241, em particular, parte do pressuposto de que os atuais problemas econômicos são decorrentes do excesso de gastos públicos com a sociedade. Com esse diagnóstico, cria-se um clima alarmista que justificaria a contenção de programas sociais e iniciativas redistributivas das últimas décadas, responsáveis pela redução, ainda que limitada, da enorme desigualdade social que a sociedade brasileira ainda enfrenta.

O envio ao Congresso Nacional da PEC 241/2016, instituindo o chamado Novo Regime Fiscal, representa e consolida a tese de que a forma exclusiva de enfrentar a crise fiscal é o corte de gastos sociais e, portanto, a restrição de direitos, mantendo ao mesmo tempo intocado o questionamento sobre a dívida pública e seu regime de juros que representam, estes sim, a razão maior do comprometimento do orçamento da União.

Através dos artigos 101 a 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, proposto pela PEC 241, cria-se um teto orçamentário definido pela inflação do período, que retira a progressividade dos direitos sociais e a autonomia da sociedade brasileira e do Congresso Nacional de ajustar o gasto público às dimensões de suas prioridades e estratégias de desenvolvimento econômico e social, ferindo o ordenamento da Constituição de 1988.

A PEC 241 prevê, que durante os próximos 20 anos, o orçamento seja acrescido apenas da variação inflacionária (IPCA) sobre o valor de 2016. Considerando a prática corrente, que transforma os pisos fixados em lei para despesas de saúde e educação em tetos, isso significa que mesmo que a receita e o PIB cresçam acima da inflação, não haverá aumento de recursos para essas áreas.

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Importante destacar recente simulação elaborada por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o caso da saúde, comparando com o que previa anteriormente a EC29 (executado no ano anterior + variação do PIB), ou a progressividade de percentuais sobre a Receita Corrente Líquida ( RCL), vigente a partir deste ano: a) caso essa PEC houvesse sido aplicada a partir de 2003, até o ano de 2015 teria havido uma perda de 42,1% dos recursos efetivamente aplicados no período, correspondendo a uma subtração equivalente a 257 bilhões de reais; b) sendo implementada a partir de 2017 e considerando 20 anos à frente, apontam perdas entre 654 bilhões e 1 trilhão de reais, dependendo do comportamento das variáveis PIB e RCL.

Hoje a literatura e as experiências internacionais apresentam evidências do fracasso das medidas de restrição de gasto público ou austeridade fiscal como estratégia de enfrentamento da crise e retomada do crescimento. Pelo contrário, cada vez mais são conhecidas experiências em que o reforço dos sistemas de proteção social gera maior rapidez na superação da crise, na retomada do crescimento e no combate ao desemprego.

Além disso, no caso do Brasil, tudo se passa como se o gasto realizado no setor de saúde tivesse um efeito negativo na economia, elidindo para além de seu papel essencial de bem-estar da população, sua importância como complexo produtivo na formação do PIB. O efeito multiplicador do gasto em saúde é conhecido. Para cada R$ 1,00 gasto em saúde, verifica-se um incremento de R$ 1,70 no PIB. A educação e a saúde juntos têm efeitos multiplicadores fiscais superiores a três vezes.
No conhecido quadro de subfinanciamento do setor saúde, em que os gastos totais atingiram, em 2013, 8% do PIB, sendo apenas 45% de origem pública, ao contrário de outros países com sistemas universais em que essa parcela chega a 70%, o congelamento dos gastos em saúde, caso aprovada a PEC 241, levará a uma redução das ações atuais e à impossibilidade de atender novas demandas com impactos calamitosos.

Há um aumento populacional no Brasil e a alteração do perfil demográfico e epidemiológico. A população idosa dobrará nas próximas duas décadas, atingindo, em 2035, perto de 35 milhões de brasileiros (15,5 % da população). Nesse novo contexto, passam a predominar as doenças crônico-degenerativas, com a presença de cânceres, distúrbios cardiocerebrovasculares e transtornos cognitivos demandando assistência e cuidados prolongados. Inevitável, neste quadro, a elevação dos custos dos serviços, seja com a ampliação do tempo de internação e a adoção de tecnologias mais sofisticadas seja pelas alterações de organização da rede assistencial, além da mobilização simultânea de múltiplas especialidades médicas e da expansão de serviços sociais e de apoio comunitário.

Estima-se que essa nova realidade, mesmo mantido o atual padrão tecnológico e o rol de serviços, já importará nos próximos 20 anos, ao contrário de congelamento, num necessário incremento de 37% nos gastos com atenção à saúde (fonte: Saúde Amanhã).

Os ganhos obtidos na diminuição da mortalidade infantil, decorrentes da expansão da iniciativa Saúde da Família, com o aumento da cobertura dos procedimentos de proteção à infância, além do êxito internacionalmente conhecido do Programa Nacional de Imunização, certamente serão contidos com limitações na incorporação de novas vacinas e, mesmo, na produção e distribuição das já existentes. A mesma consequência se dará quanto à limitação para incorporação de novos tratamentos, serviços de saúde e todo um conjunto de ações fundamentais para expansão e continuada modernização do Sistema Único de Saúde (SUS), ocasionando a sua degradação, perda de qualidade e cada vez mais restrições ao acesso da população. Uma verdadeira afronta às necessidades da sociedade!

Dentre tantos campos de atuação SUS, a recente expansão no acesso à assistência médica a dezenas de milhões de pessoas de áreas carentes, num esforço nacional sem precedentes, será contida. O controle da Aids; os transplantes; o acesso a medicamentos gratuitos e/ou fortemente subsidiados; a atenção materna; as clínicas de família; o acesso a exames e serviços hospitalares, serão reduzidos.

Acrescente-se as restrições que serão impostas às ações de vigilância em saúde, elevando a exposição e risco das pessoas a doenças e ambientes inseguros. Cabe assim a pergunta: como assegurar controle de epidemias como zika, dengue e chikungunya, incluindo pesquisas, assistência, controle de vetores, medicamentos e vacinas necessárias, com congelamento de recursos? Em especial, o impacto sobre as pesquisas, fundamentais para novos produtos e novas soluções que já são subfinanciadas em nosso país, terá dimensão incalculável, comprometendo no longo prazo a capacidade de resposta e autonomia nacional.

Diante das proposições contidas na PEC 241, a Fiocruz, com sua centenária experiência em pesquisas e serviços para a melhoria da saúde pública no país, pode assegurar que os riscos e danos à saúde e à condição de vida das pessoas são inevitáveis.

Frente a tais riscos aos direitos sociais e à saúde humana, a Fiocruz se soma às instituições públicas e da sociedade civil e apresenta-se para o debate sobre alternativas de estratégias de enfrentamento da crise e dos desafios da saúde, em especial no delineamento de medidas capazes de apontar um caminho de desenvolvimento sustentável e equitativo para o país.

Conselho Deliberativo da Fiocruz

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