A azitromicina, um tipo de antibiótico, ganhou fama em 2020 por supostamente ajudar no tratamento da Covid-19. Ela, aliás, é incluída com certa frequência nos “kits preventivos” contra o novo coronavírus, que carecem de comprovação científica. Estudos recentes apontam, contudo, que seu uso não interfere no curso da doença em si.
A evidência mais nova vem da pesquisa inglesa Recovery. Trata-se de uma megainvestigação em busca de tratamentos eficazes para a Covid-19, conduzida por universidades como Oxford e King’s College London com pacientes do sistema de saúde britânico, o NHS.
Uma das etapas da iniciativa comparou pessoas internadas com a doença. Elas foram distribuídas de maneira aleatória em dois grupos: 2,5 mil receberam azitromicina oral ou injetável mais o tratamento padrão por pelo menos dez dias, e cerca de 5 mil foram direcionadas somente para o tratamento padrão. No fim das contas, a taxa de mortalidade e o tempo de internação foram semelhantes nos dois segmentos.
Ou seja, o antibiótico não fez diferença na recuperação dos voluntários em geral. O cenário se manteve igual ao dividir os participantes em diversos subgrupos, como idade, sexo e necessidade de respirador artificial.
Os resultados foram publicados no medRvix, site que compila artigos ainda não revisados por outros pesquisadores. Isso pede uma dose de cautela com os achado do levantamento. Ainda assim, outros artigos que passaram pelo crivo de experts do mundo todo e com metodologias igualmente sólidas chegaram a conclusões semelhantes. Um deles, conduzido por brasileiros e publicado no periódico The Lancet, também apontou que a azitromicina não é eficaz em melhorar o desfecho de quadros graves.
Mas atenção: há uma situação específica em que ela e outros antibióticos podem trazer benefícios diante do coronavírus.
A real utilidade da azitromicina na Covid-19
Logo no início da pandemia, os médicos passaram a incorporá-la como parte do tratamento do coronavírus por causa de um aprendizado vindo da gripe de outras doenças virais. Veja: frequentemente um vírus facilita a entrada de infecções bacterianas oportunistas, que podem provocar pneumonias graves e piorar o quadro do acometido.
“Como parte das defesas do organismo fica comprometida, existe uma taxa razoável de coinfecção também na Covid-19”, explica o pneumologista Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia. Nesse contexto, os antibióticos podem, sim, evitar complicações da dupla infecção, assim por dizer.
Como a azitromicina combate inflamações e chegou a demonstrar atividade frente ao Sars-CoV-2 em pesquisas com células isoladas no laboratório, ela ganhou certa preferência de indicação entre os especialistas no início da pandemia. No entanto, como dissemos, as pesquisas conduzidas com uma grande quantidade de voluntários e com metodologias mais robustas descartaram esse efeito anti-Covid da azitromicina.
A regra, portanto, é recorrer aos antibióticos em pacientes com coronavírus somente quando há a suspeita da coinfecção. O ideal é confirmar com exames laboratoriais a presença da bactéria oportunista, mas o médico tem a prerrogativa de agir antes disso diante de um quadro clínico sugestivo desse ataque duplo. “Por exemplo, se há presença de pus, piora da curva febril ou se o paciente não melhora”, diz Fernandes.
E que fique claro: não há evidências a favor do uso preventivo ou como tratamento precoce (quando os sintomas ainda são leves ou mesmo inexistentes) dos chamados “kit Covid-19”. A Sociedade Brasileira de Infectologia não recomenda a azitromicina ou qualquer outro medicamento para esse fim.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta ainda que o uso indiscriminado de antibióticos na pandemia pode aumentar o risco de outros problemas de saúde pública, como as infecções resistentes a tratamentos.