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Insulina: uma nova geração para controlar ainda melhor o diabetes

Chegam ao Brasil as primeiras canetas que combinam, na mesma aplicação, a insulina a medicações que otimizam as picadas e o controle do diabetes

Por Maurício Brum com reportagem de Juan Ortiz
Atualizado em 19 jun 2019, 14h20 - Publicado em 26 nov 2018, 10h35
qual insulina usar para diabetes
Novos tratamentos para diabetes trazem mais praticidade e menos chateações (Ilustração: Otávio Silveira/SAÚDE é Vital)
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Para um número considerável de diabéticos — uma nação de 12,5 milhões de brasileiros —, a injeção de insulina vira uma companheira inseparável no dia a dia. Isso acontece quando o organismo já não consegue suprir mais o hormônio, o que coloca a saúde em risco. Enquanto esse fenômeno costuma ser súbito no tipo 1, comum em gente jovem e marcado por um processo autoimune, com o passar do tempo ele também pode ocorrer no tipo 2, a versão mais prevalente e associada à idade e ao ganho de peso. É o pâncreas decretando a bancarrota na produção de insulina, molécula que permite à glicose entrar nas células e gerar combustível para o corpo.

O uso da insulina sintética é visto como um divisor de águas na vida dos pacientes. Muda a rotina — são picadas no dedo pra checar a glicemia, picadas na barriga para repor o hormônio… — e abundam mitos, medos e preconceitos. Não é de estranhar, portanto, que qualquer novidade que facilite o cotidiano seja amplamente saudada pelos médicos e pelas pessoas com diabetes.

Eis o cenário em que desponta uma nova geração de insulinas associadas, na mesma caneta de aplicação, a outros medicamentos, e destinadas a diabéticos do tipo 2. Basta uma injeção por dia para domar o açúcar no sangue. Cai o número de picadas, caem os efeitos colaterais ligados a elas.

São dois novos produtos que inauguram a classe no Brasil, um do laboratório Novo Nordisk, outro da Sanofi. O chamariz vem justamente das promessas, confirmadas em estudos, de uma rotina mais prática e segura ao paciente. Até porque, com o avanço dos anos, tende a aumentar o número de doses de insulina por dia. “Chega uma hora em que o diabético já não consegue fazer o controle direito”, nota o endocrinologista André Vianna, da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Além de exigir ajustes no dia a dia, que demandam uma boa orientação em consultório, a utilização de várias injeções de insulina, crucial para prevenir complicações do diabetes, pode ter efeitos adversos complicados. O principal é o risco de hipoglicemia, quando a glicose no sangue baixa demais — é só imaginar um diabético errando a dose ou comendo menos que o esperado, por exemplo. Se não sanado, o quadro é capaz de provocar desmaios e convulsões.

Foi com a ideia de tornar esse contexto mais tranquilo para o paciente que cientistas pensaram em agregar um parceiro à insulina na mesma formulação. Por que não combiná-la a uma molécula que, também naturalmente produzida pelo corpo, tem a função de ajudar no equilíbrio glicêmico?

Pois a tal molécula é um hormônio, o GLP-1, fabricado no intestino com o objetivo de estimular a secreção de insulina, e já presente, em sua versão sintética, em remédios para diabéticos do tipo 2 (são os análogos de GLP-1).

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“No tratamento usual com insulina, o paciente injeta o tipo basal pela manhã e aplica os tipos de ação rápida ou ultrarrápida antes das refeições, já que o corpo não consegue fazer a regulação sozinho”, contextualiza o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

A solução da indústria foi juntar, em um só líquido, a insulina de longa duração, que fica ativa por cerca de 24 horas, com o GLP-1, que faz uma regularização inteligente do açúcar no sangue. “A grande sacada é que o combo trabalha de maneira glicose-dependente e ainda faz o pâncreas produzir um pouquinho de insulina, a mais ou a menos, conforme a necessidade”, explica Couri.

Os resultados são animadores: mais de 70% dos pacientes que usam o produto conseguem manter a glicemia em níveis adequados, de acordo com os estudos da Sanofi. Depois que a injeção é aplicada, a insulina faz a captação da glicose nos tecidos do corpo. Enquanto isso, o GLP-1 modula, lá no pâncreas, a produção do restinho de insulina e a secreção de glucagon, substância que inibe a ação da insulina. Tudo isso sem precisar aplicar uma dose de insulina antes da refeição.

Mais benefícios das insulinas modernas

Segundo Gabriel Fagundes, gerente médico da Novo Nordisk, o análogo de GLP-1 agregado à insulina traz uma vantagem particularmente bem-vinda ao diabetes tipo 2: ajuda a compensar a resistência ao hormônio típica do quadro. Nessa situação, por mais que o pâncreas ainda produza um pouco de insulina, as células dos músculos, do fígado e de outros órgãos não conseguem tirar proveito dela.

Com a produção escasseando e o organismo desperdiçando o hormônio, é corriqueiro o médico prescrever doses e mais doses de insulina para tentar domar a glicose. Só que aí dispara o risco de hipoglicemias.

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“Por isso a combinação fixa é muito melhor”, defende Fagundes. É tomar a dose de manhã e se cuidar que o corpo sai ganhando.

Tem outro benefício nessa história: o GLP-1 reduz a velocidade da digestão, amplia a sensação de saciedade e auxilia, assim, no controle do peso. É um ponto a comemorar se pensarmos que muitos diabéticos que fazem uso da insulina acabam engordando. Ganho de peso e hipoglicemia, aliás, estão entre as principais causas de abandono do tratamento, situação que ameaça o bem-estar de qualquer um.

Para entender melhor o impacto da nova terapia, a Novo Nordisk acompanhou por 26 semanas dois grupos de diabéticos do tipo 2 que já faziam uso de metformina, o comprimido para controle glicêmico mais consumido no país. Um deles passou a aplicar o combo de insulina e análogo de GLP-1. O outro injetou insulina basal mais a ultrarrápida, administrada até quatro vezes ao dia, perto das refeições.

Ao final do experimento, o contraste foi gritante. Embora os dois tratamentos tenham apresentado efeito similar no exame de hemoglobina glicada (método que dá uma média da concentração de açúcar no sangue dos últimos 90 dias), o lançamento se revelou muito mais seguro. No comparativo, houve uma redução de até 89% nos episódios de hipoglicemia.

Mais: enquanto os voluntários que recorreram ao tratamento tradicional ganharam, em média, 2,64 quilos, os que usaram a nova medicação perderam peso, quase 1 quilo em média. A façanha fica por conta do GLP-1. Além de uma versão própria para diabéticos, já existe no mercado uma formulação de análogo de GLP-1 voltada a pessoas obesas e sem diabetes. Ora, a substância encoraja o corpo a perder peso.

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Para Couri, o combo entre insulina e GLP-1 tem chance inclusive de, um dia, destronar o uso isolado da insulina. “É difícil encontrar um paciente para o qual não valha a pena recomendar o GLP-1”, acredita o endocrinologista. Afinal, o produto permite economizar nas picadas e a aplicação não precisa ficar condicionada às refeições.

“Tenho pacientes que usavam a insulina basal e três picadas de ultrarrápida. Agora, de manhã aplicam uma vez o combo e seguem o dia inteiro sem precisar de novas injeções”, relata Couri. “Além de menos injeções de insulina, a gente vê uma economia de até seis picadas no dedo para medir a glicose no dia”, completa.

Sem contar que tudo depende de uma mesma caneta aplicadora. No método tradicional, não é raro que pacientes confundam as injeções e troquem a insulina basal pela ultrarrápida, e vice-versa. Aí já viu… O fato de ser uma única picadinha no início do dia também pesa demais na conveniência, evitando esquecimentos em momentos de mudança de rotina, como viagens ou algum lanche fora de hora.

Pelas pesquisas até o momento, qualquer diabético do tipo 2 com dificuldade no controle glicêmico — como aqueles em que os comprimidos e ajustes no estilo de vida já não resolvem mais a parada — é candidato aos novos combos. Claro que é o endócrino que, avaliando direito caso a caso, poderá dizer se eles são a melhor opção ou não. As restrições de uso são semelhantes à da insulinização clássica: envolvem crianças, gestantes e indivíduos alérgicos a componentes da fórmula.

Como funcionam as novas insulinas que já trazem na mesma caneta de aplicação o GLP-1

    1. Aplicada na pele (no abdômen, por exemplo), a caneta libera insulina, que permite às células captar a glicose no sangue, sobretudo em locais como o fígado.

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    2. Ao mesmo tempo, a caneta injeta o análogo de GLP-1. No pâncreas, ele instiga a produção de insulina e inibe a de glucagon, substância com função oposta à da insulina.

    3. GLP-1 também desacelera a passagem do bolo alimentar no estômago, o que prolonga a sensação de saciedade e evita picos de glicose no sangue.

    O acesso ao tratamento

    Como qualquer novidade fruto de biotecnologia, os combos de insulina e análogos de GLP-1 devem sair mais caros em um primeiro momento, o que poderá impactar no acesso à população. Uma boa insulina basal costuma ser vendida hoje por algo em torno de 40 reais a caneta. O preço das novas combinações pode sair até três ou quatro vezes mais alto.

    Com a difusão do método, porém, a expectativa é que os valores fiquem mais baratos. Mas especialistas refletem que não dá pra fazer conta de padaria, quer dizer, de drogaria. “Precisamos pensar em termos de farmacoeconomia: por ser um medicamento mais eficiente, é necessária uma dosagem menor, e, no fim do mês, um tratamento que parece mais caro pode acabar saindo mais barato na comparação”, analisa Couri.

    A questão do custo/benefício também remete a outro ponto crucial em qualquer tratamento, a adesão do paciente. E isso é ainda mais crítico no território da insulinização. Levantamento da Editora Abril em parceria com a AstraZeneca e o Endodebate com 1 050 pessoas, sendo 387 diabéticas, aponta que 24% delas colocam o medo da insulina como uma de suas maiores preocupações.

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    “O indivíduo chega muitas vezes com receio de que a insulina vai fazê-lo ganhar peso, ficar cego, até morrer… E o médico acaba entrando em uma inércia, adiando o início da insulinização”, observa Couri. “Não se pode evitar o tratamento quando ele se mostra necessário. O que precisa ser feito é trabalhar também o psicológico do paciente, explicar as alternativas e as mudanças na rotina. E isso depende de uma consulta mais demorada”, argumenta o expert, que também coordena o Endodebate.

    A desinformação que ronda o diabetes e seu controle não gera só medo, mas também dificulta a motivação para seguir à risca as recomendações. “Às vezes ouvimos casos de pessoas com o tipo 2 que fizeram tratamento por um mês e depois pararam porque não sabem que o diabetes é algo sem cura ou não foram devidamente avisadas pelo médico que as atendeu”, conta Vanessa Pirolo, coordenadora de advocacy da ADJ Diabetes Brasil, entidade que defende os direitos dos pacientes no país. “E há outros casos em que a pessoa simplesmente se cansa do tratamento e o interrompe. Sem um profissional para motivá-la a continuar, fica muito complicado”, lamenta.

    O desafio também abrange o acesso às medicações, especialmente nos postos de saúde pública. No Sistema Único de Saúde (SUS), as insulinas disponíveis são a NPH, utilizada como basal e com duração de até 18 horas, e a chamada regular, de efeito mais rápido, que começa a agir entre meia hora e uma hora após a aplicação.

    “A insulina ultrarrápida só chegou ao SUS agora, e mesmo assim praticamente ninguém está recebendo”, critica Couri. Já as basais mais eficientes só são acessíveis depois que o paciente recorre à Justiça, e o Estado é obrigado a fornecer.

    “O que mais se vê hoje em dia ainda são as insulinas antigas, que podem tratar a doença, mas com riscos maiores de ganho de peso e hipoglicemia”, aponta o endocrinologista. Além da carência de produtos em si, no SUS a aplicação ainda se dá por meio de seringas.

    A licitação que prometia começar a oferecer canetas este ano teve atrasos após o Ministério da Saúde encomendá-las sem incluir as agulhas, licitadas mais tarde. A expectativa, segundo Vanessa, é que esse modo de aplicação comece a ser disponibilizado a partir do fim de 2018.

    “Temos um paradoxo: de um lado, lançamentos que melhoram muito a qualidade de vida, e, de outro, milhares de pessoas que ainda usam um tratamento de décadas atrás”, resume Couri. “Provavelmente, se oferecêssemos insulinas mais modernas, no futuro haveria menos gastos públicos para tratar as sequelas de um tratamento inadequado”, completa.

    Aliar a tecnologia a acesso, orientação e adesão a hábitos saudáveis é a única receita para melhorar o controle do diabetes.

    Brasil com diabetes

    • A estimativa é que existam 12,5 milhões de diabéticos no país.
    • 90% têm o tipo 2 da doença, ligado ao avançar da idade e ao excesso de peso.
    • 62% foi quanto aumentou o número de diabéticos desde a última década.
    • Médicos calculam que só 30% dos diabéticos no país estão com a glicemia controlada.

    Outras tecnologias que começam a melhorar a vida dos diabéticos

    Pâncreas artificial: Criada pela Medtronic, a bomba inteligente de insulina monitora continuamente os níveis de glicemia e fornece insulina sob medida, como um pâncreas faria.

    Células-tronco: A terapia, em estudo e com bons resultados, é voltada a pessoas com o tipo 1. Trata-se de uma renovação do sistema imune para não atacar mais o pâncreas.

    Insulina inalável: É uma versão ultrarrápida, que seria combinada à injetável de longa duração. Ainda não se popularizou.

    GLP-1 semestral: São análogos injetáveis do hormônio com a mesma ação dos de uso diário mas aplicados apenas uma vez por semestre.

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