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Grande estudo mostra como o coronavírus chegou e se espalhou pelo Brasil

Trabalho é o maior já feito sobre a dispersão do Sars-CoV-2 em solo nacional. Confira os principais achados e como eles contribuem para o combate à pandemia

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 23 fev 2021, 18h15 - Publicado em 3 ago 2020, 19h23
casos coronavírus no brasil
Estudo reconstruiu as pegadas do vírus em solo brasileiro. (Ilustração: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)
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O primeiro caso de Covid-19 foi confirmado no Brasil no dia 26 de fevereiro. O paciente era um homem que esteve na Itália e se recuperou da doença. Embora tenha ganhado o título de “paciente zero”, ele está longe de ser o responsável pela disseminação da doença por aqui. Nesse mesmo período, mais de uma centena de introduções do novo coronavírus ocorreram no país.

É o que mostra o maior estudo realizado até agora sobre a dispersão nacional do vírus. O trabalho, capitaneado pelo cientista cearense Darlan Cândido, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, é um verdadeiro marco do esforço científico para compreender a epidemia. “Mais de 15 instituições brasileiras participaram, fora as internacionais”, destaca o pesquisador.

O grupo conseguiu sequenciar o código genético do Sars-CoV-2 de 427 indivíduos infectados em 85 municípios e 18 estados brasileiros entre o final de fevereiro e o início de março. As amostras analisadas vieram do exame RT-PCR, que detecta a presença do vírus em secreções humanas.

“A partir desses dados, conseguimos comparar sequências genômicas similares entre si e organizá-las por data e local onde as amostras foram coletadas. Assim, reconstruímos as pegadas do vírus, por onde ele passou e quando isso ocorreu”, completa Cândido.

Pouco mais de 100 linhagens do vírus, com pequenas diferenças genéticas entre si, foram identificadas no grupo dos 427 pacientes. “Ou seja, mais de 100 pessoas entraram no país carregando esses tipos diferentes”, aponta o cientista. Isso aconteceu principalmente no Ceará, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, estados que mais recebem voos internacionais.

Dessa centena, três cepas distintas, oriundas da Europa, parecem ser as responsáveis pela pandemia no Brasil. “Detectamos muitas linhagens, mas só essas três conseguiram se estabelecer e sustentar uma cadeia de transmissão local, espalhando-se para o restante do país”, explica Ester Sabino, imunologista do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).

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De que países o coronavírus foi importado?

Apesar de os vírus da Europa serem os responsáveis pela propagação da Covid-19 no país, o trabalho mostrou outros possíveis caminhos de dispersão. “Notamos que cerca de 30% das amostras eram oriundas dos Estados Unidos, o que foi uma surpresa para nós, porque naquela época não tínhamos muitos casos confirmados por lá”, destaca Celso Granato, diretor clínico e infectologista do Grupo Fleury, que contribuiu com a investigação.

Para ter ideia, a primeira transmissão local no país norte-americano foi confirmada em 26 de fevereiro, mesma data do nosso primeiro caso importado, mencionado no início do texto.

A Dasa, outro grupo de laboratórios que participou do estudo, fez novas descobertas sobre a origem difusa da pandemia. “Conduzimos uma análise filogenética, que é uma espécie de árvore genealógica do vírus, em oito pacientes. Dois deles não tinham histórico de viagens. Descobrimos que, nesses dois, a estrutura genética se aproximava mais dos Sars-CoV-2 que circulavam na China”, comenta Gustavo Campana, diretor médico da empresa.

“Ou seja, podemos concluir que houve uma disseminação local, ainda que pequena, também de vírus provenientes do país asiático”, completa Campana.

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É possível ainda que o número de introduções do coronavírus no país seja subestimado. “Sequenciamos o equivalente a um em cada 200 casos até o final de abril. Se tivéssemos analisado mais amostras, provavelmente encontraríamos mais introduções ainda”, aponta Cândido.

O impacto das restrições no deslocamento na dispersão da Covid-19

Elas ajudaram a conter a doença, mas não o suficiente para acabar com a epidemia, apontam os dados de mobilidade do estudo. Nesta segunda etapa, os pesquisadores cruzaram os dados genéticos de cada infecção com informações sobre o deslocamento entre cidades e estados obtidas por meio dos registros de trânsito do Google.

Com as restrições de voos domésticos e de circulação urbana, houve uma diminuição da circulação do Sars-CoV-2.

“No comecinho da epidemia, o R0 (taxa de reprodutividade do vírus) estava em torno de 3, superior ao da Europa”, comenta Ester. Isto é, um indivíduo infectado era capaz de transmitir a o patógeno para três pessoas.

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Quando as diminuições de mobilidade foram impostas, houve uma queda importante do R0, que chegou a menos de 1 em São Paulo entre 21 e 31 de março, no início do isolamento social. Só que, depois dessa redução, o número subiu de novo, estimulado pela diminuição na adesão à quarentena.

No fim do período avaliado, o R0 estava em 1,6 em São Paulo e no Rio de Janeiro, taxa que, apesar de apontar para um achatamento da curva de contágio, não é a ideal. “Deveríamos estar abaixo de 1, como ocorreu em outros países que adotaram as medidas de isolamento, o que indica que uma pessoa infecta outra, mas a próxima não será infectada, assim o vírus vai deixando de circular”, ressalta Cândido.

Os bastidores da pesquisa

Quase 50 autores assinam o trabalho. “É interessante destacar esse esforço coletivo. Em uma epidemia, deve haver esse tipo de conexão, e foi muito bacana fazer parte disso”, comemora Ester, pioneira no mapeamento genético do novo coronavírus e uma das articuladoras da investigação.

“Foi um trabalho intenso tanto de logística quanto de processamento de informações”, conta Cândido. As amostras cedidas pelos laboratórios foram sequenciadas na USP, Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

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Depois, as instituições internacionais, entre elas a Universidade de Oxford e o Imperial College de Londres, participaram da análise do genoma, em busca das similaridades entre cada vírus. Por fim, equipes de matemáticos brasileiros foram responsáveis por criar os mapas da disseminação da Covid-19.

Como esses dados ajudam no combate ao coronavírus

Além de facilitar o entendimento de como a epidemia se espalhou no país, o que pode colaborar para que os governantes tomem medidas mais rápidas e assertivas em novos surtos da doença no futuro, o estudo tem outros méritos. O principal deles é a quantidade de amostras analisadas. “Com o sequenciamento, podemos compreender melhor o vírus”, comenta Cândido.

Um dos achados é que as estruturas principais do Sars-CoV-2 sofrem poucas mutações. “Isto é importante para determinarmos as regiões que devem ser alvos para vacinas, por exemplo. E, se houver alguma mutação relevante, teremos um extenso banco de dados para avaliar a evolução daquela parte em específico”, pontua Ester.

O aprendizado mais contundente e dolorido, contudo, não é nenhuma novidade. O estudo evidenciou, mais uma vez, que a baixa adesão ao isolamento social é diretamente responsável pelo aumento de casos. Com a reabertura de vários serviços não essenciais em tantos estados, o quadro pode piorar, alertam os especialistas ouvidos pela reportagem.

“Os resultados da pesquisa mostram que, se tivéssemos mantido adesão ao isolamento social, seguramente a situação não estaria como a que vemos agora”, comenta Granato. Só no mês de julho, mais de 1,1 milhão de novos casos foram confirmados no Brasil. No mesmo período, as mortes saltaram de 59 mil para 90 mil.

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