Maria do Socorro recebeu o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico, uma doença autoimune, aos 40 anos. Na ocasião, ela já estava com nefrite, uma inflamação que atinge os rins. Esse quadro a obrigou a fazer quatro sessões de hemodiálise por semana, durante anos. Ela acabou se aposentando precocemente devido aos efeitos do tratamento.
O lúpus é uma doença sistêmica (ou seja, atinge diversos órgãos e tecidos), então as histórias de quem convive com ela são bem particulares. Isso fica nítido nos quatro episódios da série documental “Sentindo na Pele”, uma parceria da AstraZeneca Brasil com o Centro Universitário Belas Artes.
A série faz parte da campanha Lúpus: A Marca da Coragem, cujo objetivo é trazer mais conscientização sobre o quadro. Para ter ideia, o diagnóstico no Brasil leva, em média, de três a seis anos. É muito tempo.
Ainda que a doença seja flagrada mais cedo, há diversos desafios pela frente. A paciente Camila Maia, cuja trajetória também aparece na série, sabe bem disso. Ela era jovem quando descobriu o lúpus, e o tratamento com corticoides a deixou irreconhecível, abalando sua autoestima de maneira cruel – fora as dores que ela sentia.
Mesmo durante o período de remissão da doença, consultas aos médicos e exames continuam frequentes. Isso se traduz em preconceito no mercado de trabalho, na família e entre amigos, que entendem pouco sobre uma doença que não pode ser vista.
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Entendendo melhor o lúpus
No lúpus, o sistema imunológico produz anticorpos em excesso e sem um motivo aparente.
A questão é que, quando em alta concentração, esses anticorpos passam a atacar o próprio organismo, provocando inflamações e lesões em vários órgãos. Rins, pulmões, pele, articulações, nervos e coração estão nessa lista. Daí porque se diz que a doença é sistêmica.
É por esse motivo também que o conjunto de sintomas é bem diversificado, dificultando o diagnóstico.
“O primeiro sinal pode aparecer nos pulmões ou rins. Mas, para uma das personagens da série [Luciane Peixoto], o sintoma inicial foi um inchaço nos olhos”, comenta Nafice Costa Araújo, reumatologista e presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia.
A variedade de sintomas pode levar à suspeita de diversas doenças raras. “E quem faz uma busca na internet não sabe qual médico procurar”, aponta o reumatologista Edgard Reis, responsável pelo ambulatório de Lúpus Eritematoso Sistêmico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM).
É o caso de Maria do Socorro, citada lá no início da reportagem, que sentia febres e dores, mas não via necessidade de procurar ajuda médica. Quando o mal-estar passou dos limites, o diagnóstico foi até rápido, mas os danos já estavam causados.
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Se surge uma alteração na pele, o indivíduo busca um dermatologista. Na presença de dor ao respirar, vai ao pneumologista. Na dúvida, corre para um clínico geral. Por isso, médicos reumatologistas têm feito um apelo para que outras especialidades conheçam melhor o lúpus.
“Médicos de primeiro atendimento, clínicos e outros especialistas devem desconfiar da doença e encaminhar o indivíduo ao reumatologista, porque a confirmação do diagnóstico depende de uma soma de fatores. Não há um exame específico para comprová-la”, afirma Nafice.
Até há alguns testes que apoiam o médico no diagnóstico. Em uma amostra de sangue, por exemplo, é possível verificar uma taxa elevada de alguns tipos de anticorpos. Porém, só 50% das pessoas com lúpus tendem a apresentar essas alterações.
Nesses exames, ainda dá para avaliar sinais de anemia, situação das plaquetas, disfunção renal, acometimento de alguns órgãos e outras complicações que podem ser associadas à doença.
Mas as informações mais valiosas vêm do questionamento correto sobre sintomas e histórico familiar.
Só que há outro fator que atrapalha todo esse processo: a falta de reumatologistas no país. Para piorar, a maioria está concentrada nos mesmos lugares – isto é, nas regiões Sul e Sudeste.
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Quais são os possíveis sintomas
- Bochechas rosadas
- Fadiga
- Dor nas articulações
- Febre
- Dor ao respirar
- Neoplasia (crescimento descontrolado de células que forma um tumor maligno ou benigno)
- Queda de cabelo
- Manchas avermelhadas além do rosto, que surgem também no pescoço, peito e cotovelos
- Feridas na boca
- Dor de cabeça
- Em casos graves, convulsões
Dificuldades no tratamento
No início, não havia medicamento algum para a doença. “Recorríamos a remédios da oncologia, por exemplo, e ministrávamos em doses menores”, lembra Nafice.
Agora, o usual é combinar, conforme o perfil de sintomas, anti-inflamatórios, corticoides, antimaláricos, imunossupressores e analgésicos.
Embora o surgimento de novos medicamentos dê esperança a quem tem lúpus, ainda há muitas barreiras para um tratamento adequado. Uma delas é que a maioria das drogas custa caro ou promove muitos efeitos colaterais.
O anticorpo monoclonal belimumabe foi o primeiro remédio desenvolvido especialmente para combater o lúpus. Mas essa opção não chegou ao sistema público de saúde (SUS).
O que o SUS já disponibiliza é o micofenolato, um imunossupressor que ajuda a estabilizar a doença e é padrão de tratamento para nefrite.
Vale lembrar que o objetivo dos imunossupressores é reduzir a atividade do sistema imunológico e, com isso, os danos provocados por ele ao organismo da pessoa. Outra substância bastante utilizada com esse objetivo é a hidroxicloroquina, que ainda evita dores mais fortes nas articulações.
O porém é que essa classe de medicamentos coleciona efeitos colaterais, já que parte do tratamento mexe com a imunidade e abre espaço a infecções.
“Os corticoides são uma primeira solução, mas a pessoa não pode tomar para o resto da vida”, explica Nafice. Inchaço, ganho de peso e possibilidade de desenvolver outras doenças (como o diabetes) estão entre os riscos do uso contínuo.
Casos mais graves podem aderir a pulsoterapia, que é a administração venosa de altas doses de corticoides. Ela é dividida em sessões em ambiente hospitalar e pode provocar reações incômodas, como náusea e diarreia.
Independente do combo medicamentoso, mudanças de estilo de vida são bem-vindas quando se descobre o lúpus. É essencial, portanto, manter uma alimentação equilibrada, praticar exercício físico e evitar bebidas alcoólicas.
Lúpus afeta mais as mulheres
É impossível prever o lúpus porque não há causas totalmente definidas, apenas um conjunto de fatores que torna alguém mais predisposto a desenvolver a doença – e isso pode ocorrer em qualquer idade.
A herança genética está entre esses fatores, mas não é tão simples detectar onde está a complicação. “O lúpus é uma doença poligenética, então há inúmeras combinações diferentes de genes que podem ser relacionadas ao problema”, afirma Nafice.
O tabagismo, o estresse, o contato com pesticidas e a vida em lugares muito poluídos ou ensolarados também já foram ligados à doença e podem servir de gatilho para ativar o lúpus no organismo.
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Há ainda questões hormonais em jogo, com influência especificamente do estrogênio – o que ajudaria a explicar por que a incidência dessa doença é maior entre as mulheres.
Especialistas ainda buscam afunilar um pouco mais essas causas para, assim, definir melhor quais são os grupos de risco. Mas as informações sobre a doença ainda são escassas.
“Apenas 80% dos países de todo mundo têm dados sobre a prevalência de lúpus. No Brasil, há uma estimativa de que podemos ter entre 150 e 300 mil casos, com base em registros americanos”, afirma Reis.