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Como a sífilis voltou a crescer no Brasil e no mundo?

Mesmo com tratamento barato, a infecção sexualmente transmissível teve um aumento de casos nos últimos anos

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein*
Atualizado em 15 mar 2023, 11h35 - Publicado em 2 mar 2022, 16h17
sífilis como tratar
Uso de camisinha é essencial para evitar a sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis. (Foto: Deon Black/Unsplash/Divulgação)
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Um crescimento silencioso da sífilis avança no Brasil e a maioria dos infectados talvez nem saiba que está transmitindo a bactéria.

O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em outubro do ano passado, traz números alarmantes sobre o tema e chama atenção para a necessidade de investimento no diagnóstico precoce da doença, que pode causar sequelas nos olhos, coração, sistema nervoso e mesmo levar à morte, se não for tratada adequadamente.

Segundo os dados do boletim, entre 2010 e 2020, o número de casos confirmados de sífilis no Brasil saltou de 3 936 para 115 371 – valor 29 vezes maior.

Uma das explicações para esse crescimento é que a doença passou a entrar na lista de notificação compulsória em 2010 (a cada novo caso, a secretaria de saúde do município precisa informar as autoridades sanitárias).

Além disso, com os avanços no tratamento do HIV/Aids tornando a doença crônica, houve um relaxamento no uso dos preservativos de barreira (camisinhas) nas relações sexuais.

+ Leia também: Sífilis congênita: saiba o que é e como prevenir

“Nos anos 1990 as pessoas se protegiam mais porque tinham muito medo da Aids, uma doença que deixaria manifestações clínicas visíveis e poderia levar à morte. Com os avanços do tratamento, as pessoas relaxaram no comportamento sexual, embora ninguém queira ter Aids. Mas hoje não é mais aquele desespero, aquela sensação de finitude de vida. O problema é que não é apenas o HIV que se transmite por relação sexual. Existem outras doenças sexualmente transmissíveis e as pessoas se expõem sem cuidados”, alerta a infectologista Tânia Vergara, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e coordenadora do Comitê de Terapêutica de HIV/Aids da SBI.

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A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema pallidum. Pode ser repassada também por meio de transfusão ou pelo contato direto com sangue contaminado, e de mãe para filho (transmissão vertical) na gestação.

É uma doença curável, com tratamento barato e disponível no SUS – feito por meio da penicilina benzatina (Benzetacil é o nome comercial mais conhecido), que chegou a correr riscos de desabastecimento mundial e é considerado o medicamento mais eficaz no tratamento da enfermidade.

+ Leia também: Benzetacil: o que é, para que serve e os principais efeitos colaterais

Impacto da Covid-19

Outro fator que pode favorecer o aumento da sífilis é a falta de acesso ao diagnóstico e tratamento adequados — especialmente durante a pandemia — quando muitos postos e unidades básicas de saúde interromperam os atendimentos ambulatoriais para se dedicarem exclusivamente aos casos de Covid-19.

De acordo com Vergara, é preciso investir no diagnóstico precoce da doença, para que o tratamento seja rápido. Isso porque, segundo ela, uma pessoa infectada pode ficar semanas e até anos sem nenhum sinal visível da doença e continuar transmitindo sem saber.

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Em geral, após a contaminação, surge uma pequena lesão ulcerativa na genitália (no pênis dos homens ou nos pequenos lábios das mulheres), mas ela desaparece espontaneamente, passando uma falsa sensação de cura.

Mais tarde, podem surgir pequenas manchas vermelhas, geralmente associadas a possíveis alergias. Assim, na maioria dos casos, o indivíduo só descobre a doença em fases mais avançadas.

O diagnóstico precoce é possível por meio de um teste rápido – que está disponível gratuitamente em qualquer unidade básica de saúde — ou por meio de um exame de sangue de rotina.

“A pessoa não precisa ir a um infectologista para receber um pedido de exame de sífilis, HIV, hepatite. Todo médico deveria pedir esses exames nas consultas de rotina”, avalia a especialista, que acrescenta: “É muito difícil convencer as pessoas a mudarem o comportamento sexual [como usar preservativo de barreira em todas as relações sexuais, por exemplo]. Por isso é tão importante fazermos o diagnóstico precoce”, afirma.

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O boletim do Ministério da Saúde aponta também que no ano de 2020 o Brasil registrou 22 065 casos de sífilis congênita (transmitida de mãe para filho) e 186 mortes. “Já que esta é uma doença que pode ser diagnosticada precocemente na mãe, ao ser tratada neste momento, não será transmitida para o bebê”, ressalta Tânia.

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Ressurgimento da doença

Nos últimos anos, os números de sífilis vêm aumentando não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que existam 12 milhões de pessoas com a doença.

A preocupação com o aumento de casos fez pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, do Instituto Wellcome Sanger e da Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido mapearem o ressurgimento da infecção para tentar compreender o atual cenário mundial.

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O estudo “Global phylogeny of Treponema pallidum lineages reveals recent expansion and spread of contemporary syphilis”, publicado no periódico científico Nature Microbiology, mapeou dados de como a cepas da bactéria estão se movimentando geograficamente.

Os pesquisadores analisaram 726 amostras de sífilis de 23 países e identificaram duas linhagens predominantes (Nichols e SS14), que circulam em 12.

Além disso, eles constataram que as amostras eram quase idênticas àquelas presentes em 14 países, o que sugere evidências de transmissão generalizada e de forma regular das cepas no mundo todo, confirmando o “ressurgimento” da doença.

Estudos que determinam as cepas circulantes são importantes porque podem servir de base para novos medicamentos, caso se tornem resistentes aos tratamentos disponíveis – o que não é o caso, segundo a infectologista Vergara.

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“Até o momento não existe Treponema resistente à penicilina. Mas estudos desse tipo são importantes para buscarmos o plano B, caso a bactéria se torne resistente”, diz.

*Esse texto foi publicado originalmente pela Agência Einstein.

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