“Trata-se de uma situação vergonhosa para o nosso país”. É assim que o pneumologista Eduardo Algranti, da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança do Trabalho e Medicina do Trabalho (São Paulo, SP), define a condescendência do Brasil com o amianto, uma fibra mineral utilizada por aqui para fabricar telhas, caixas d’água e outros materiais de construção. “Não nos contentamos em produzir e consumir essa substância reconhecidamente cancerígena. Nós ainda somos um dos maiores exportadores dela”, lamenta.
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Algranti esteve recentemente no Seminário Internacional sobre Amianto, que aconteceu em Campinas, no interior paulista. Lá, ele se juntou a outros especialistas para debater o impacto do amianto, também chamado de asbesto, na saúde e quais medidas deveriam ser adotadas para bani-lo das nossas terras. Foi nesse encontro que a americana Linda Reinstein, presidente da Organização de Conscientização das Doenças do Asbesto, ressaltou que 58 países já proibiram o uso do material. Para ter ideia, a Finlândia adotou a medida em 1982.
“Os danos do amianto não são novidade. Na década de 1930 eles já haviam sido descritos”, relata Algranti. Em resumo, são quatro as principais doenças decorrentes dele:
Placas pleurais — trata-se da deposição do material na membrana que recobre a parede do tórax e dos pulmões (a pleura). Se extensas, abalam a respiração.
Asbestose — é uma fibrose do tecido pulmonar. Falta de ar é um sintoma comum. Em situações graves, mata por insuficiência respiratória.
Mesotelioma — estamos falando de um câncer que acomete a pleura. Embora seja considerado raro, quase a totalidade dos casos está associada ao contato com o amianto. Foram registrados cerca de 1 mil mortes de mesotelioma no Brasil, porém a epidemiologista Ubirani Barros Otero, coordenadora de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional do Câncer, garante que os números oficiais são menores do que a realidade.
Câncer de pulmão — o asbesto é capaz de lesar esse órgão e, assim, dar origem ao tipo de tumor que mais mata no mundo. Nesse caso, entretanto, trata-se de uma doença multifatorial.
Além dessas encrencas, tumores de laringe e ovário já foram associados ao amianto, segundo a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer. E é provável que ele também cause essa enfermidade no tubo digestivo. “Do ponto de vista de saúde, não faz sentido manter a comercialização dessa substância”, arremata Algranti.
Ameaça para quem?
A princípio, uma pessoa que mora debaixo de uma telha de amianto ou bebe a água vinda de uma caixa feita desse material não deve se preocupar. Essa substância provoca males quando é aspirada pelas vias respiratórias, o que acontece dentro das minas e nas obras, principalmente na fase de demolição. Agora, se você acha que é pouca gente, tenha em mente que há quase 3 milhões de empregados somente no setor da construção civil. Mais: existem vários relatos vindos da Europa de casos de mesotelioma nos entornos de fábricas ou entre esposas de trabalhadores.
Por movimentar bastante dinheiro, há quem defenda que o banimento do asbesto afetaria significativamente a economia nacional. “Isso não é verdade. Temos à disposição outras fibras sem esses efeitos e que poderiam ser incorporadas nas fábricas”, opina Algranti. Segundo ele, um trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que a diferença de custo delas para o amianto não é tão grande — e tenderia a diminuir com o tempo. “O maior impacto econômico ocorreria em cidades pequenas que dependem das minas, mas é possível contornar o problema com políticas públicas”, afirma o pneumologista.
São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco criaram leis para impedir a comercialização de asbesto há anos. Porém, há uma ação no Supremo Tribunal Federal que pede a anulação dessas normas por supostamente irem contra a Constituição. Ela ainda não foi julgada. Cabe a nós ponderar se realmente vale a pena manter a produção de amianto frente a todos os estragos que ele provoca na saúde nacional.