No princípio, eram os genes. No final também. Em 1976, o biólogo e etólogo britânico Richard Dawkins atualizava a teoria de Charles Darwin elevando os genes à condição de unidade básica da vida e da evolução. De modo brilhante e ao mesmo tempo perturbador, ele defendia no livro O Gene Egoísta que, aos olhos da natureza, nós e os outros seres vivos não passamos de veículos para o DNA e o RNA.
Em última instância, quem manda são os genes, e o que eles querem é se propagar e se perpetuar — passando por cima, se for o caso, dos interesses dos indivíduos e das espécies. É meio chocante, mas assim caminharia a evolução.
Isso não significa que nosso destino já esteja traçado e não possa ser desviado. Com um conhecimento cada vez mais profundo dos genes, o que inclui a criação de ferramentas para inspecioná-los e até modificá-los, a ciência está promovendo uma revolução. Não, não é brincar de Deus nem querer aprimorar a espécie, mas intervir no DNA e no RNA para prevenir doenças e sofrimentos e salvar vidas. Inclusive em meio a uma pandemia.
A genômica alçou voo frente à Covid-19 decodificando os detalhes do coronavírus e inaugurando uma nova geração de vacinas baseadas na manipulação dos genes. Fruto de décadas de pesquisa e desenvolvidas em tempo recorde, elas ampliam nossas expectativas de encurtar tamanha crise — fazem parte do grupo as vacinas de RNA (como a da Pfizer/BioNTech) e as de vetor viral (caso da de Oxford/Fiocruz).
Da prevenção passamos ao tratamento: assistimos à chegada das primeiras terapias gênicas capazes de sarar doenças antes incuráveis. São tratamentos ainda caríssimos, mas que nos deixam mais confiantes em um futuro em que se ouvirá mais a palavra “cura”. Estamos entrando também na era das edições genéticas e de intervenções focadas nos RNAs — uma sigla que só vai ganhar evidência.
Elas poderão trazer melhoras ou soluções definitivas diante de problemas como câncer, colesterol alto e hipertensão. É esse admirável e complexo mundo novo que a repórter Chloé Pinheiro destrincha na matéria de capa da edição de fevereiro de VEJA SAÚDE, num percurso cheio de siglas, conceitos, cientistas, êxitos, promessas e prêmios Nobel.
A jornalista leu livros e estudos e ouviu grandes pesquisadores brasileiros e pioneiros da área, como a húngara Katalin Karikó, candidata a um futuro Nobel pela criação da técnica do RNA mensageiro, que deu origem a imunizantes contra a Covid-19. Se a vida depende dos genes, a medicina está encontrando nesse microscópico universo sua própria evolução.