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A poliomielite voltou? O que realmente aconteceu no Pará

Governo descarta retorno da pólio. Entenda o porquê e o real risco de a paralisia infantil voltar a dar as caras

Por Fabiana Schiavon
14 out 2022, 15h13
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  • Um susto parou o Brasil recentemente, quando órgãos de imprensa e influenciadores noticiaram um possível primeiro caso de poliomielite após 33 anos sem a doença. Mas atenção: o Ministério da Saúde rechaçou essa hipótese e disse se tratar, possivelmente, de uma reação adversa rara da própria vacina contra a paralisia infantil, e não de uma transmissão local – saiba mais na sequência.

    O abalo, entretanto, chamou mais uma vez a atenção para o risco real da volta da circulação do poliovírus por aqui. É que mesmo com mais de uma prorrogação, a campanha de imunização nacional só chegou a 60% da população-alvo, sendo que a meta é de 95%.

    No município de Santo Antônio do Tauá (PA), onde foi notificado o caso mencionado anteriormente, o índice de vacinação é de 30%. No estado do Pará como um todo, 44%.

    + Leia também: Projeto reúne diferentes grupos para subir índices de vacinação

    “Esperamos que esse episódio sirva como um chacoalhão sobre a importância de retomarmos a vacinação, porque o risco se mantém alto”, avalia Evaldo Stanislau, médico infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.

    Entenda o que ocorreu no Pará e o que ainda é preciso ser feito para impedir a volta da paralisia infantil.

    O caso

    Uma criança de 3 anos foi atendida em Santo Antônio do Tauá (PA) com sintomas de paralisia flácida aguda, uma perda da força muscular nas pernas que causa dificuldade para andar. Por causa do risco da volta da poliomielite, todo órgão de saúde precisa notificar as autoridades sobre casos semelhantes.

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    + Leia também: Quais são os sintomas da poliomielite, que voltou às Américas após 30 anos

    “Foi constatado que essa criança foi vacinada no fim de agosto com a segunda dose da vacina VOP, a da gotinha. Já no dia seguinte, teve febre e dores musculares”, explica Maria Isabel de Moraes Pinto, infectologista pediátrica e consultora de vacinas do Alta Diagnósticos, da rede Dasa.

    Quase um mês depois, a criança apresentou a incapacidade de andar. Em exames laboratoriais, foi encontrado nas fezes dela o vírus Sabin Like 3, utilizado na mesma vacina VOP.

    Explica-se: esse imunizante é feito com o vírus atenuado da pólio, ou seja, enfraquecido. “Esse vírus é excretado pelas fezes depois da vacinação, mas não tem capacidade de transmitir a pólio”, esclarece Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência.

    A ideia é que o vírus atenuado estimule a produção de anticorpos pelo organismo sem provocar a doença em si. Mas em casos raros, ele pode deflagrar sintomas da doença contra a qual deveria proteger o corpo.

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    O Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que o estado de saúde da criança têm evoluído positivamente e que ainda investiga a causa desses sintomas. No texto, a pasta reiterou não se tratar de poliomielite, e sim de um caso de paralisia flácida aguda “supostamente atribuível” à vacina VOP

    Como descrito, há casos raríssimos em que uma pessoa pode desenvolver paralisia pelo próprio vírus atenuado que está presente na vacina. “Mas isso ocorre na frequência de um para 1 milhão de vacinados, e só é possível confirmar após 70 dias do recebimento das doses”, lembra Stanislau.

    Ou seja, até o momento não houve sequer tempo para bater o martelo. “Pode ser, ainda, uma doença não relacionada com o poliovírus, que surgiu logo após a vacinação por coincidência. É preciso estudar mais”, conta Stanislau.

    Erro na vacinação?

    Uma das hipóteses levantadas que teria favorecido essa complicação foi erro no esquema de imunização. Isso porque as autoridades não encontraram registros das três primeiras doses nos documentos da criança.

    Explica-se: o protocolo de imunização brasileiros contra a paralisia infantil envolve três injeções da Vacina Inativada contra a Poliomielite (VIP), aos 2, 4 e 6 meses de vida. Ao contrário da VOP, a VIP é produzida com uma versão, digamos, morta do vírus, sem qualquer capacidade de provocar a doença.

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    Depois dessas injeções, são mais três doses de reforço com Vacina Oral contra a Poliomielite (VOP), a famosa gotinha. Elas ocorrem aos 15 e 18 meses e aos 5 anos de vida.

    Especulou-se que o caso da criança no Pará poderia ser resultado de uma infecção por vírus vacinal. Como assim? Ora, o vírus atenuado da VOP se espalha pelo ambiente através das fezes – o que inclusive pode ser interessante em dadas condições por oferecer uma imunização indireta. Entretanto, em raras situações, esse mesmo vírus pode sofrer mutações enquanto está livre que voltam a torná-lo mais agressivo e, portanto, capaz de causar doença.

    + Leia também: Risco de a poliomielite voltar ao Brasil é alto, alertam especialistas  

    “O vírus solto no esgoto, sem encontrar barreiras como uma população vacinada, pode voltar a agir de forma mais virulenta. Mas isso demora cerca de um ano para acontecer. Não é nada que ocorra logo após a imunização”, explica Natália. Logo, não faria sentido que a criança do Pará tivesse sido infectada.

    Esse contexto reforça a necessidade de a população estar adequadamente vacinada. Com alta taxa de imunização, nem o vírus selvagem e nem o vacinal são capazes de promover estragos. Já o oposto desencadeia péssimas notícias, como o retorno da poliomielite nos Estados Unidos.

    Aliás, o esquema de vacinação começa com a VIP e tem como reforço a VOP justamente para minimizar o risco de o vírus vacinal voltar a se tornar patogênico no ambiente. A combinação reduz o risco tanto da disseminação ambiental quanto da reação adversa.

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    Mas por que não abandonar as gotinhas, já que há o risco, embora mínimo, de o vírus atenuado voltar a ganhar força no ambiente e já que temos outra tecnologia de imunizante disponível? “Ela é mais barata e garante uma imunidade nas mucosas gástrica e intestinal, o que impede a transmissão da doença”, diz Natália.

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    “A ideia é que o caso reforce a importância da vacinação, e não o contrário. A gotinha é prática porque a criança não sente dor, é de fácil transporte e muito útil em um país continental como o nosso”, aponta Patricia Boccolini, coordenadora do Observatório de Saúde na Infância – Observa Infância, iniciativa conjunta da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto (Unifase).

    Onde está o vírus selvagem? Ele pode chegar aqui?

    Os três tipos de poliovírus selvagem não circulam mais pelo Brasil. O problema é que eles ainda existem pelo mundo, já que a pólio não foi erradicada no Paquistão e no Afeganistão.

    “O momento que vivemos está mais favorável ao surgimento ou retorno de doenças. Somos um mundo globalizado, em guerra e com grande circulação de pessoas. Além disso, já foi constatado, em estudos, que o aquecimento global abre portas a novas pandemias”, lembra Stanislau.

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    + Leia também: Aquecimento global aumenta a transmissão de vírus entre diferentes animais

    As mudanças climáticas criam ambientes propícios à maior circulação de vírus e bactérias. “São mais casos de enchentes, secas e ondas de calor que promovem a migração de animais e pessoas”, explica o infectologista.

    Retomar boa cobertura vacinal é urgente

    A cobertura vacinal contra a poliomielite está em seus piores níveis no Brasil. O Ministério da Saúde lançou uma campanha de vacinação este ano, mas muitos estados não conseguiram chegar nem na metade da meta.

    O pior local é Roraima, e o mais imunizado, a Paraíba. “Não podemos deixar acontecer o que já ocorreu com o sarampo, quando houve óbitos de crianças menores de 5 anos por uma doença prevenível por vacina”, completa Patricia.

    + Leia também: Radar da Saúde: Falta de saneamento básico faz brasileiros adoecerem

    Por ter transmissão via oro-fecal, a vigilância contra o poliovírus deve ser feita também nas redes de esgoto das cidades. “Uma pessoa pode viajar de um país para o outro carregando o vírus no seu intestino sem saber, e disseminá-lo por meio das fezes”, lembra Maria Isabel.

    Em Nova York, nos Estados Unidos, têm sido detectados vírus na rede de esgoto, e a primeira medida do governo local foi ampliar a vacinação. “O risco diminui quando a população já está protegida”, aponta a infectologista da Dasa.

    Cobertura vacinal da poliomielite por estado

    Roraima: 28%
    Acre: 28,8%
    Rio de Janeiro: 36%
    Distrito Federal: 40%
    Pará: 44%
    Goiás: 45%
    Rondônia: 46%
    Rio Grande do Norte: 50,9%
    Espírito Santo: 52,7%
    São Paulo: 54%
    Tocantins: 56,5%
    Bahia: 56%
    Amazonas: 58,8%
    Mato Grosso do Sul: 62,9%
    Mato Grosso: 62%
    Maranhão: 65%
    Rio Grande do Sul: 66,8%
    Piauí: 69,7%
    Paraná: 70%
    Minas Gerais: 74,5%
    Pernambuco: 74%
    Sergipe: 75%
    Ceará: 76,5%
    Alagoas: 79,7%
    Santa Catarina: 80%
    Amapá: 88,8%
    Paraíba: 93%

    *Índices calculados até o fim da campanha em 30 de setembro e divulgados pelo Observatório de Saúde na Infância – Observa Infância.

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