Antes de ler, um aviso. A partir de agora, esse espaço contará não apenas com textos meus, mas com artigos de cientistas convidados. A ideia é que eles compartilhem seus achados, discutam temas relevantes e os bastidores das pesquisas.
O primeiro texto é de Jailane de Souza Aquino, nutricionista, pesquisadora e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que participou da nossa reportagem de capa sobre dieta anti-inflamatória. Boa leitura!
Diversos tipos de estudos conduzidos em todo o mundo vêm demonstrando como a exposição a fatores ambientais durante a gestação e nas fases iniciais da vida pode influenciar permanentemente a saúde.
Determinando, inclusive, a vulnerabilidade a doenças ao longo da vida do indivíduo.
Os primeiros estudos sobre as origens desenvolvimentistas da saúde e da doença datam do início do século XX e foram realizados em países europeus. O conceito abrange um ramo da ciência que estuda o impacto de eventos externos em fases precoces do desenvolvimento humano.
Hoje, essa rede de pesquisas é constituída por cientistas de todo o mundo, e nós fazemos parte dela, com pesquisadores de diversas regiões brasileiras.
Por conta desse trabalho, hoje se sabe que a dieta materna é um dos principais fatores ambientais a impactar no processo saúde-doença da infância até a vida adulta dos filhos.
Da dieta da mãe à saúde da prole
Pesquisas científicas vêm revelando que a alimentação da mãe durante a pré-concepção, gestação e lactação pode influenciar muitos aspectos do crescimento e desenvolvimento dos bebês, como o sistema imunológico, a microbiota, o metabolismo, o comportamento e a cognição.
Por exemplo, na gestação e lactação existe uma adaptação do metabolismo de gorduras. Por esse motivo, uma dieta materna inadequada pode ter impactos ainda negligenciados nos filhos.
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Ou melhor, filhotes. Devido ao fator temporal, estudos com modelos animais, que têm vida mais curta, contribuem para o direcionamento de estudos clínicos e para a elaboração das políticas públicas de saúde.
O que dizem os estudos com animais
Em nossos estudos com roedores, observamos que a ingestão excessiva de colesterol, gorduras trans e saturada durante gestação e lactação resultou em menor peso ao nascer, maior ganho de peso, danos nas vilosidades intestinais e no metabolismo de gorduras em filhotes machos e fêmeas ao longo da vida, incluindo na vida adulta.
A dieta materna rica em gordura ocasionou ainda alterações específicas em filhotes fêmeas e machos. As primeiras apresentaram maior acúmulo de gordura hepática, enquanto os machos desenvolveram mais gordura visceral e níveis menores de Lactobacillus spp. (bactérias benéficas da microbiota intestinal).
Outro estudo de nosso grupo de pesquisa apontou para alterações das filhotes fêmeas na vida adulta. Entre elas, mais gordura acumulada, diminuição do colesterol HDL (o colesterol bom), alterações inflamatórias cerebrais e intestinais, lesão isquêmica no cérebro (hipocampo) e distúrbios neurocomportamentais, sem alterações hormonais.
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Vale destacar que esses efeitos foram notados mesmo com os filhotes sendo alimentados com uma dieta normal da infância até a idade adulta.
Ou seja, os efeitos deletérios de uma dieta materna desbalanceada não foram revertidos por uma dieta saudável dos filhotes ao longo de uma vida inteira.
Por outro lado, alimentos fontes de gorduras boas como o óleo de buriti, consumidos durante a gestação e lactação, melhoraram parâmetros reflexos e corporais de filhotes no início da vida.
E os efeitos em humanos?
A realização de estudos translacionais – que “conectam” a pesquisa básica à aplicação na vida real – são de extrema importância para confirmar os dados obtidos em roedores.
No momento estamos realizando outros trabalhos com foco nos efeitos da dieta pré gestacional sobre a prole, bem como na contribuição da dieta paterna à saúde dos filhotes.
Mas, com os achados atuais, podemos afirmar que há indícios de que uma relação semelhante ocorra em humanos. Com certeza, a dieta dos pais é extremamente importante para o crescimento e desenvolvimento saudável dos filhos em muitas dimensões ao longo da vida.
*Jailane de Souza Aquino é doutora em nutrição e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)