Em junho de 2016, um grupo de 67 voluntários, das mais diferentes partes do mundo, participou de um experimento social em Copenhague, na Dinamarca. Havia gente de todo canto: um inglês que detestava alemães, um cubano que não simpatizava com franceses e um islandês que jurava que era 100% islandês. Todos eles foram convidados a cuspir dentro de um tubo de ensaio e fazer um teste de DNA.
Duas semanas depois, os participantes fizeram caras e bocas ao tomar conhecimento dos resultados. O inglês descobriu que 5% de seus antepassados vieram da Alemanha. O cubano soltou uma gargalhada ao saber que tinha ancestrais espalhados por toda a Europa. O islandês ficou surpreso ao constatar que, ao contrário do que pensava, sua família não era composta só de islandeses, mas também de portugueses, espanhóis, italianos, gregos… “Não haveria extremismo no mundo se todos nós soubéssemos de onde viemos”, observou a francesa Aurelie, uma das participantes do projeto.
Batizado de The DNA Journey (“A jornada do DNA”, em livre tradução), o vídeo, idealizado por um site de buscas de passagens aéreas e reservas de hotéis, viralizou nas redes sociais e já registra mais de 330 milhões de visualizações. De lá para cá, muita coisa mudou. Os testes genéticos estão se popularizando. Inclusive no Brasil.
Esses exames já não são mais tão caros como eram. Há cerca de cinco anos, um kit para descobrir a origem de seus ancestrais custava em torno de 300 dólares (ou 1,6 mil reais). Hoje pode ser comprado por menos de 500 reais. “Nosso teste identifica origens genéticas de até oito gerações, o que corresponde aos bisavôs dos nossos tataravôs”, conta Cesário Martins, diretor do meuDNA. “O teste de ancestralidade é uma importante ferramenta de autoconhecimento. Conhecer as próprias origens faz parte da construção da identidade”, afirma.
Realizar o teste é fácil e pode ser feito em casa pela própria pessoa. Basta comprar um kit pela internet, ler as instruções na embalagem, coletar uma amostra de seu DNA e enviá-la ao laboratório especializado pelos correios. Nada de sangue. A amostra é coletada esfregando um cotonete especial chamado “swab” na parte interna da bochecha.
De sua saliva a empresa vai extrair células que contêm seu código genético. Ele será inserido em um banco de dados e, por meio de inteligência artificial, comparado ao DNA de outras pessoas e clientes do laboratório. Dentro de algumas semanas, o usuário recebe um mapa detalhado com os países de origem de seus ancestrais.
“Somos o único laboratório do Brasil que oferece a possibilidade de localizar parentes próximos ou distantes”, afirma o médico Ricardo di Lazzaro Filho, sócio-fundador da Genera, empresa que também fornece um teste de ancestralidade feito em casa. “O principal motivo de procura por esses testes é a busca do autoconhecimento e de sua própria história. O Brasil é um país muito miscigenado”.
Saúde sob medida
Mas os testes genéticos não servem apenas para revelar quem são nossos antepassados. Mais do que isso, existem exames que vasculham nosso DNA para ajudar a cuidar melhor da saúde. Como? Eles podem apontar desde deficiências de vitaminas até a predisposição a vários tipos de câncer. “O autoconhecimento genético evita o surgimento de algumas doenças, assim como detecta precocemente outras”, explica Martins.
O diretor do meuDNA cita, por exemplo, o câncer de mama. Cerca de 10% dos casos são causados por mutações genéticas herdadas dos pais. “Milhares de casos de câncer poderiam ser evitados ou diagnosticados precocemente se as mulheres tivessem conhecimento de seus riscos genéticos”, afirma.
A genética é peça-chave na construção do que Ricardo di Lazzaro chama de medicina 4Ps: preditiva, preventiva, personalizada e participativa. Além de identificar propensão a certas doenças, testes de DNA podem sinalizar quais medicamentos são mais indicados a cada paciente. É a farmacogenômica, ramo da farmacologia que estuda a interação entre os genes e os remédios. “Os resultados obtidos são importantes aliados no tratamento de pacientes que não estão respondendo positivamente a um determinado medicamento, seja por falta dos efeitos esperados, seja por excesso de efeitos colaterais”, esmiúça o CEO da Genera.
Na era da medicina de precisão, que usa dados genéticos para aprimorar a prevenção e o tratamento de doenças, a professora Lygia da Veiga Pereira, chefe do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), idealizou o projeto DNA do Brasil, em parceria com a Dasa, maior grupo de medicina diagnóstica da América Latina.
Lançada em dezembro do ano passado, a iniciativa planeja sequenciar o genoma de 15 mil voluntários, entre 35 e 74 anos, e montar um banco de dados genéticos da população brasileira. “O DNA do Brasil é essencial para ajudar a compreender como as variantes genéticas se relacionam com determinada doença na população. Com isso, será possível obter um diagnóstico mais preciso e predizer as chances de um indivíduo desenvolvê-la”, conta Lygia.
“Essa abordagem permite que a equipe de saúde tome decisões clínicas em tempo oportuno para evitar que a doença se manifeste. Entre outras possibilidades, poderá definir qual medicamento será mais eficaz ou terá menos efeitos colaterais”, completa a professora da USP. É a genética dando sua contribuição à saúde pública.