Em meio à maior pandemia das últimas décadas, todo mundo está atrás de uma cura ou de uma vacina capaz de conter o avanço da Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Entre as diversas tentativas e experiências, tem gente que, seja com boa vontade ou com segundas intenções nada louváveis, começa a compartilhar vídeos cheios de notícias falsas pela internet. E um dos últimos exemplos tem a ver com a folha de boldo.
Em um vídeo, um homem chamado Alexandre, que diz ser de São José dos Campos (SP), relata que esteve no Rio de Janeiro, onde se infectou com o coronavírus. Depois, passou a enfermidade para a sua família.
Alexandre conta que recebeu o diagnóstico e passou por postos de saúde próximos de sua casa, onde teria utilizado remédios para gripe comuns, que nada resolveram sua situação. E aí vem a grande descoberta dele: “A única coisa que estou tomando que deu resultado no primeiro gole foi isso daqui: uma folha de boldo. Qualquer lugar tem isso daqui. Foi a única coisa que cortou todos os sintomas do coronavírus para mim e minha esposa…”.
Os benefícios do boldo
Como ele mesmo diz, o boldo é uma planta que a gente encontra em tudo que é canto. Há duas versões principais: o boldo-da-terra (Plectranthus barbatus) e o boldo-do-chile (Peumus boldus). A primeira tem folhas maiores e largas e é comum no Brasil. A segunda é mais pequenina e aparece nos sachês de chás vendidos em supermercados e lojas de produtos naturais.
Ambas possuem propriedades terapêuticas e são prescritas para tratar males gastrointestinais. Mas é preciso cuidado: não são raros os casos de intoxicação, interação medicamentosa ou outros efeitos colaterais da pesada. Em gestantes, por exemplo, o chá de boldo pode prejudicar o bebê, principalmente nos primeiros meses de desenvolvimento.
De volta ao coronavírus
O vídeo traz uma sucessão de mancadas. Primeiro, é estranho pensar que o Alexandre recebeu remédio para gripe se ele tinha Covid-19 confirmada. Atualmente, não existe nenhuma droga com eficácia comprovada contra o coronavírus, apesar de algumas serem utilizadas em caráter experimental.
Para os casos confirmados que estão com sintomas leves (o que parece ser o caso dele, já que está em casa), os médicos costumam indicar o básico: hidratação, repouso e um comprimido para baixar a febre ou aliviar a dor. Nesse contexto, não faria nenhum sentido usar medicações que combatem o vírus influenza, o causador da gripe.
Mas aí vem o ponto mais preocupante do vídeo: indicar qualquer tipo de terapia de forma generalizada, sem nenhum critério, é perigoso demais. E se uma mulher grávida resolve seguir a recomendação do Alexandre e tomar um chá de boldo? Quem vai se responsabilizar se ela tiver um aborto espontâneo ou o filho nascer com alguma doença?
O caminho para comprovar a eficácia de um tratamento contra o coronavírus
Para que qualquer substância vire remédio contra uma doença, ela precisa passar pelo crivo da ciência. Isso envolve realizar testes com células na bancada de laboratório. Se os resultados forem bons, a próxima etapa são estudos com animais. A resposta foi promissora na cobaias? É aí que começam as pesquisas com seres humanos, divididas em ao menos três etapas, que incluem milhares de voluntários.
Vamos ver, então, se o uso do chá de boldo contra o coronavírus está em alguma parte desse rito científico. Para isso, visitamos os sites PubMed, que reúne praticamente a totalidade dos estudos publicados no mundo, e o ClinicalTrials.Gov, que mantém o registro de todos os testes clínicos com novos candidatos a medicamentos. Usamos na pesquisa os termos “boldo”, “boldo-do-chile”, “boldo-da-terra”, “Plectranthus barbatus”, “Peumus boldus” mais as palavras “coronavírus”, “Sars-CoV-2” (nome oficial do agente infeccioso) ou Covid-19.
Nos dois grandes portais, não foi encontrado qualquer resultado que relacionasse essa planta com o vírus que provoca a pandemia atual. Na prática, isso significa que não existe nenhum grupo de cientistas do mundo pesquisando o tema no momento, com resultados que encorajem o uso do boldo como remédio para a Covid-19.
Teorias da conspiração
Quase no final do vídeo, Alexandre comete outro erro grave e preocupante: “Isso não é uma gripe. É uma bactéria feita em laboratório”. A primeira frase até está correta: a Covid-19 não tem nada a ver com a gripe mesmo, pois são doenças causadas por vírus diferentes.
Mas o que chama atenção é a segunda frase: como o próprio nome diz, o coronavírus é um vírus, não uma bactéria. E já está provado pela ciência de que esse agente infeccioso não foi fabricado em laboratório, como dizem as teorias da conspiração. Ele é originário dos morcegos e sofreu uma mutação que permitiu que ele pulasse para nossa espécie e fosse transmissível entre seres humanos.
Então, o que devo fazer se receber esse conteúdo?
Caso alguém encaminhe esse vídeo para você, a primeira coisa é não compartilhar com ninguém. Assim, evita que a história siga adiante e prejudique mais gente. Se puder, converse numa boa com a pessoa que te mandou a informação e explique pra ela todas as mentiras que estão por trás da fala do Alexandre. O link desta reportagem pode ajudar a reforçar seus argumentos.