A resolução sobre telemedicina do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada no Diário Oficial da União no início do ano e sustentada por portaria do Ministério da Saúde, surgiu com a finalidade de regulamentar e operacionalizar medidas de enfrentamento emergencial visando à saúde pública em tempos de pandemia do coronavírus.
A Associação Médica Brasileira (AMB), em carta publicada em abril, “acredita que a incorporação de novas tecnologias à medicina é um caminho sem volta e que esse avanço pode ser muito positivo, desde que disciplinado por diretrizes responsáveis com foco no fortalecimento da relação médico-paciente”.
A telemedicina ganhou holofote na esteira da rápida disseminação do coronavírus a partir de Wuhan, na China — em poucos meses, o Brasil e outros países contaminados pelo Sars-CoV-2 se viram diante de novos desafios no campo da saúde. O assunto propicia um caloroso debate envolvendo a classe médica e suas entidades representativas. Afinal, as novas formas de atendimento a distância representam avanços necessários e inevitáveis ou um retrocesso, com nefastas consequências para a relação médico-paciente?
Na resolução do CFM, a telemedicina é definida como o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e promoção da saúde. Também estabelece que ela pode ser síncrona (quando realizada em tempo real) ou assíncrona (via atendimento off-line) e elenca uma série de possibilidades de atendimento remoto: a teleconsulta, o telediagnóstico, a teleinterconsulta, a telecirurgia, a teletriagem, a teleorientação, a teleconsultoria e o telemonitoramento.
Dentre todas essas modalidades, a mais polêmica é a teleconsulta, definida como a consulta médica remota quando o médico e o paciente estão localizados em diferentes espaços geográficos. De acordo com a resolução, a primeira consulta deve ser presencial, mas com previsão de exceção para os casos de comunidades remotas, desde que no local o paciente esteja acompanhado por outro profissional de saúde. Nos casos de atendimento por longo período ou de doenças crônicas, a consulta presencial deveria ser realizada em intervalos não superiores a 120 dias.
A história da telemedicina tem raízes antigas e remete aos primórdios da medicina moderna. Basta pensar na invenção do estetoscópio eletrônico em 1910: acoplado a amplificadores, receptores e repetidores, o aparelho conseguia transmitir sinais por cerca de 50 milhas. A partir do século 19, com a criação do telégrafo e da telegrafia, o uso da medicina a distância aumentou de forma significativa, permitindo o envio de laudos radiográficos entre locais diferentes.
No final do século 19, a popularização da telefonia resultou na criação de redes de transferência de dados, facilitando a transmissão de sinais gráficos, como eletrocardiogramas, e permitindo o compartilhamento dos resultados entre vários profissionais. Nos tempos contemporâneos, a telemedicina tem ajudado na assistência aos astronautas em órbita na estação espacial, por meio de envios de sinais como pressão arterial, ritmo respiratório, frequência cardíaca e temperatura corporal.
As primeiras experiências com a telemedicina no Brasil se iniciaram efetivamente em 1994 com a transmissão dos exames de eletrocardiograma. Em 1995, o Instituto do Coração (InCor) criou o ECG-FAX, que disponibilizava a análise, por médicos da entidade, de exames enviados por fax por profissionais de outras cidades. Um ano depois, em 1996, a mesma instituição tornou possível o monitoramento de pacientes em domicílio, por meio do sistema denominado ECG-Home.
Na última década, nosso país assistiu a uma evolução da telemedicina, com incentivo governamental e a formação de núcleos de pesquisa em várias universidades brasileiras. Seguramente, ela se tornará uma grande aliada do médico, fornecendo recursos que permitirão ao profissional oferecer ao paciente um diagnóstico, um tratamento e um acompanhamento mais precisos e eficazes.
Nesse sentido, também ganha cada vez mais espaço a telecirurgia, contemplada na resolução do CFM e caracterizada por um procedimento feito por robô, manipulado por um cirurgião à distância, desde que, junto ao paciente, esteja um médico com a mesma habilitação do cirurgião remoto.
A teleconsulta ainda é uma questão em debate, que precisa ser analisada com temperança, pois não contempla aspectos fundamentais da relação médico-paciente caracterizados pela presença física das partes, do olho-no-olho, do exame clínico e, principalmente, do apoio e conforto psicológico que, no momento da consulta, nós podemos oferecer aos pacientes fragilizados e a seus familiares.
Por mais desenvolvida que seja, nenhuma tecnologia conseguirá reproduzir isso. Como se manifestou o cirurgião oncológico Ademar Lopes, do A.C. Camargo Cancer Center: “A medicina virtual dificilmente conseguirá ser tão completa quanto a consulta presencial”.
* Dr. Geraldo Faria é presidente da Sociedade Brasileira de Urologia — regional São Paulo e membro da Associação Americana de Urologia e da Associação Europeia de Urologia