O conceito de sustentabilidade ambiental, social e de governança (ESG) vem se fortalecendo em vários âmbitos, mas muitas pessoas ainda olham só para a parte do meio ambiente da sigla.
É claro que esse é um tópico que merece a nossa atenção, mas o “social” e a “governança” regem praticamente todos os setores da sociedade e deveriam ser uma missão prioritária para empresas, entidades e governos.
Dentro da área de saúde, um dos exemplos mais evidentes nesse sentido é o do agente comunitário de saúde (ACS).
Segundo o Ministério da Saúde, o ACS “tem um papel muito importante no acolhimento, pois é membro da equipe que faz parte da comunidade, o que permite a criação de vínculos mais facilmente, propiciando o contato direto com a equipe”.
O ACS transita por ambos os espaços – governo e comunidade – e intermedia essa interlocução. O que não é tarefa fácil. Ou seja, estamos falando de uma função absolutamente fundamental, mas com um longo caminho a ser percorrido para solidificar essa importância.
Os principais motivos desse gap são a falta de um entendimento nacional do impacto dessa profissão e o acesso às novas tecnologias pelos ACS. Em um passado não muito distante, ele era apenas uma pessoa isolada na comunidade, sem suporte ou ferramentas para agir de maneira mais ampla.
Hoje, tudo mudou.
Com as ferramentas tecnológicas, os agentes podem ser ainda mais aproveitados no levantamento de dados e disseminação de informações para a população.
A própria pandemia de Covid-19 é um ótimo exemplo. Os ACS podem ser (e foram em várias cidades do país) uma forma de levar orientação e identificar pessoas em maior risco.
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Os benefícios dos agentes comunitários de saúde
Praticamente todos os profissionais e estabelecimentos de saúde esperam que seus pacientes os procurem quando sentirem necessidade. Dessa maneira, muitas vezes eles buscam o estabelecimento de forma tardia e em locais errados.
Já o modelo dos ACS promove uma revolução nessa lógica, pois busca de forma pró-ativa a população, identificando e orientando sobre possíveis problemas antes que eles se agravem.
A tecnologia impulsiona a categoria em relação à governança
A digitalização da saúde melhora a gestão e produtividade desses profissionais, além de gerar insights de boas práticas e aprendizados, que, sem a tecnologia, poderiam se restringir ao contexto local.
Neste contexto, o agente comunitário de saúde ajuda a colocar o “G” do ESG em prática. Tanto por fazer a ponte entre a população e o acesso a novas tecnologias, quanto pelas possibilidades em relação à coleta de dados e sua posterior análise na era da inteligência artificial.
Em visitas diárias, por exemplo, o ACS tem a poucos cliques de distância respostas a perguntas básicas, como “quais são as visitas de hoje?” ou “quem corre mais risco de vida e precisa ser priorizado?”.
Já quando entramos em uma seara com grupos maiores, os agentes podem ajudar identificando doenças raras, evitando epidemias ou até pandemias.
Ao entender problemas que surgem em uma cidade ou estado, o ACS pode colaborar na construção de ferramentas estruturadas para ter um poder de transformação nacional e até mesmo global.
Brasil, um diamante bruto
O Brasil tem um dos melhores programas de agentes comunitários de saúde do mundo. No entanto, historicamente muitas pessoas acham que o assunto não é tão relevante, ou sequer o conhecem.
Segundo artigo publicado no periódico Health Research Policy and Systems, da BMC, somos líderes na melhoria de saúde da população com o trabalho desses profissionais, ao lado de Bangladesh, Irã, Etiópia e Nepal.
No início do ano, a Lei 14.536 que regulamenta a profissão também foi sancionada pelo governo. É um movimento que reforça a importância de institucionalizar a função.
O ACS já é hoje uma das maiores profissões no país e tem impacto econômico significativo. São 265 mil agentes comunitários, e em 2022, foram empenhados R,8 bilhões pelo Governo Federal na categoria. Para 2023, está prevista a destinação de R,9 bilhões, aumento de 27%.
Em outras palavras, o Brasil é um diamante bruto no que se refere ao desenvolvimento do “S”, do ESG, com os ACS.
Como ACS podem atingir 100% do seu potencial?
Os agentes de saúde do Brasil surgiram no final da década de 1980, e foram institucionalizados em 1991, mas é justo dizer que essa é a profissão do futuro.
Com os novos rumos trazidos pelos avanços tecnológicos, a função tem a chance de ser devidamente tratada como uma engrenagem fundamental da saúde primária.
Graças a atuação desses especialistas, qualquer problema de saúde é direcionado pelo lugar certo: pela porta de entrada, não pela saída (os hospitais). É um trabalho que liga as diferentes esferas do cuidado e bem-estar humano, democratizando serviços essenciais às pessoas.
Porém, ainda precisamos liberar 100% do potencial dos ACS, com capacitação e tecnologia.
Os setores público e privado precisam investir na categoria até chegarmos ao ponto em que todos teremos a chance de dizer: “Tenho um agente comunitário de saúde no meu bairro”.
Nessa realidade, não há a menor dúvida de que a compreensão e a aplicação do ESG estarão mais completas, com todas as letras da sigla sendo se complementando em equilíbrio.
*Pedro Marton Pereira é CEO e cofundador da epHealth, empresa de tecnologia para saúde e pesquisas clínicas