Os medicamentos biológicos mudaram a forma de tratar doenças endócrinas, reumatológicas, autoimunes e o câncer. Apesar de parecer uma inovação recente, eles surgiram no início dos anos 1980 com o desenvolvimento industrial da insulina humana para o controle do diabetes.
Se valem de uma tecnologia que permite a modificação de células vivas presentes na natureza para produzirem remédios capazes de atuar de forma específica diante de certas doenças. Desde então, trilhamos um caminho promissor para o tratamento de inúmeras enfermidades complexas.
Embora o salto da biotecnologia e a eficiência dos medicamentos biológicos na vida dos pacientes sejam evidentes, o acesso é o principal desafio para um sistema de saúde como o brasileiro — que atende mais de 200 milhões de habitantes no quinto território mais extenso do mundo.
E é o desafio do acesso que nos leva aos biossimilares, medicamentos biológicos que são desenvolvidos a partir de uma molécula (medicação) já existente, com benefícios reconhecidos e cuja patente expirou. A produção dos biossimilares também conta com níveis complexos de pesquisa e desenvolvimento, englobando desde engenharia genética reversa para identificação de células capazes de gerar o fármaco até processos industriais por vezes mais modernos que os dos produtos de referência.
O tempo de desenvolvimento de um biossimilar — da sua concepção até sua aprovação no mercado — é menor do que o de um medicamento biológico original: algo em torno de dez anos para a referência e cerca de cinco anos para o biossimilar. Essa diferença pode gerar aumento da competividade no setor, que por sua vez tem o potencial de diminuir custos gerais de tratamento com medicamentos biológicos. Essa solução é vista desde 2006, quando a Europa aprovou o primeiro medicamento biossimilar no mundo, destinado à reposição do hormônio somatropina, responsável pelo crescimento humano.
A experiência europeia nos trouxe lições significativas para a aplicação dessa classe de medicamentos por aqui. Um estudo realizado na região em 2016 estimou que, com o uso de biossimilares, seria possível economizar cerca de 98 bilhões de euros até 2020 nos cinco países mais populosos da União Europeia (Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido) e nos Estados Unidos. Isso pode ser interpretado como uma oportunidade de realocação de recursos, seja para atender mais pacientes, seja para aumentar o investimento em outras etapas de sua jornada, como o rastreamento e o controle da doença.
No Brasil, estamos observando o mercado de biossimilares avançar. Recentemente, o primeiro biossimilar da molécula adalimumabe começou a ser comercializado no país, destinado ao tratamento de doenças inflamatórias. O adalimumabe é o medicamento biológico mais vendido no mundo — em 2017, foram cerca de 19 bilhões de dólares investidos na sua compra globalmente. Com a comercialização desse novo biossimilar, centros de referência podem obter alta tecnologia sem ultrapassar seus limites de gastos, o que possibilita o aumento da oferta de remédios de qualidade para os pacientes.
A entrada dos biossimilares tem o potencial de promover sustentabilidade para a saúde brasileira, já que o sistema público se torna capaz de atender mais pessoas, os planos de saúde cobrem mais pedidos e a cadeia produtiva conta com investimento em especialização.
A troca do medicamento biológico para um biossimilar ainda é um ponto muito discutido entre sociedades médicas e associações de pacientes, devido à incerteza de seus impactos no paciente. Entretanto, as farmacêuticas responsáveis pelos biossimilares seguem padrões de qualidade rigorosos durante todo o processo de produção e também realizam avaliações de risco abrangentes para garantir a qualidade da medicação. Além disso, a aprovação do biossimilar pelos órgãos regulatórios envolve diversos estudos comparativos que contêm informações suficientes para atestar sua segurança e eficácia.
A educação sobre biossimilares é fundamental para que tanto o paciente quanto o médico responsável pelo caso conheçam as possibilidades existentes e possam tomar a melhor decisão terapêutica. E é nesse contexto que o papel social do setor de saúde não pode ser esquecido. À medida que há mais demanda, existe também a necessidade de união dos players da saúde para promover conscientização pública e profissional, por meio da disseminação de informações de qualidade, tendo como objetivo final evitar qualquer impacto negativo na jornada de tratamento dos pacientes.
* Dr. Valderílio Feijó Azevedo é médico e professor adjunto de reumatologia da Universidade Federal do Paraná