Dengue x desigualdade social: um combate que exige equidade
Diferentes razões fazem com que pessoas mais pobres também sejam mais afetadas por dengue (e outras infecções também)
De janeiro a fevereiro, o Brasil já registrou mais de meio milhão de casos de dengue, um aumento significativo em relação ao mesmo período do ano anterior. Entretanto, a batalha contra essa infecção não é travada apenas contra um mosquito, mas também contra as desigualdades sociais profundamente enraizadas em nossa sociedade.
A relação entre a incidência da dengue e as desigualdades sociais e econômicas é inegável, e afeta os mais vulneráveis de forma mais aguda. Tanto que as regiões mais desiguais do Brasil enfrentam uma incidência maior da doença. Isso não é mera coincidência.
Em muitos casos, essas áreas são caracterizadas por infraestrutura precária, falta de saneamento básico adequado e acesso limitado aos serviços de saúde. Ainda é comum ver e viver em locais com esgoto a céu aberto, por exemplo.
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Onde há desigualdade, há também uma concentração de condições propícias para a proliferação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, além de chikungunya e Zika.
O fenômeno El Niño de 2023 também alavanca o problema, pois se soma aos efeitos do aquecimento global e das alterações climáticas, criando um ambiente favorável para a propagação da doença.
Isso porque a elevação das temperaturas e os padrões de precipitação irregulares proporcionam um habitat ideal para a reprodução do mosquito, ampliando assim o alcance dessas enfermidades.
Um estudo realizado pela AdaptaBrasil revelou que as mudanças climáticas podem resultar não apenas em um aumento da dengue, como também de outras doenças, a exemplo de malária e leishmaniose visceral.
O prognóstico é alarmante, principalmente porque não podemos dissociar a luta contra a desigualdade social do racismo ambiental. Enquanto persistirem as disparidades socioeconômicas em nosso país, a porcentagem de pessoas em situação de maior vulnerabilidade social, econômica e ambiental sempre será a mais impactada.
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A pandemia de Covid-19 foi um exemplo real. Em estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, um grupo da PUC-Rio, no Brasil 55% dos pretos e pardos morreram mais por essa infecção do que os brancos (38%). A pesquisa também concluiu que pessoas sem escolaridade tiveram taxas de morte três vezes superiores (71,3%) às com nível superior (22,5%).
É crucial abordar as raízes que contribuem para a propagação da dengue, portanto. Isso envolve políticas que visam incluir camadas marginalizadas da sociedade para que tenham acesso à educação, emprego digno, moradia adequada e saneamento básico.
Investir em programas de conscientização e educação sobre prevenção da dengue também é essencial, garantindo que as comunidades estejam informadas e capacitadas para tomar medidas preventivas em suas próprias casas e comunidades.
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A dengue não é apenas um problema de saúde pública, mas também tem sérias consequências econômicas. O custo irreparável com a perda de vidas se soma às cifras vinculadas ao tratamento da doença e às perdas de produtividade devido ao afastamento do trabalho – o que, aliás, compromete a subsistência das famílias e sobrecarrega o sistema de saúde como um todo.
É essencial que haja uma abordagem integrada e coordenada entre os diversos setores da sociedade, incluindo o governo, o setor privado, as organizações da população civil e a comunidade em geral.
Somente por meio de esforços conjuntos e medidas abrangentes que incluam políticas públicas inclusivas é que poderemos verdadeiramente enfrentar o desafio da dengue e garantir um futuro mais saudável e equitativo para todos os brasileiros.
*Thiago Crucciti é diretor executivo nacional da ONG Visão Mundial Brasil, uma organização humanitária que atua no Brasil há mais de 40 anos.