Coronofobia: uma desordem psíquica que emergiu na pandemia
O pavor de pegar a Covid-19 pode levar algumas pessoas a terem sintomas típicos de fobia. Médica ressalta necessidade de lidar com isso
Era dezembro de 2019 e surgiam as primeiras notícias sobre uma pneumonia de causa desconhecida que se espalhava rapidamente na China. Vimos e ouvimos sobre o ocorrido sem nos alarmar para o verdadeiro desastre que ele causaria em âmbito mundial. Dois meses depois, o assunto tomava maior proporção e a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciava que a doença causada por um novo coronavírus (o Sars-CoV-2) virava uma pandemia.
Um ano depois, o mundo que conhecíamos até então mudou. A Covid-19 se fez sentir em 192 países, contabilizando mais de 2,5 milhões de mortes. Para quem fica resta a dor que avassala tantas pessoas que perderam parentes e amigos. E fica o medo do vírus e de suas consequências. Medo que pode se exacerbar e se tornar o que especialistas já chamam de coronofobia.
Como o nome sugere, trata-se de uma fobia em razão a situações desencadeadas pela pandemia. Um estudo publicado pela National Library of Medicine analisou 500 casos de ansiedade e depressão e verificou que todos eles estavam ligados à crise da Covid-19.
Essa doença infecciosa e contagiosa provoca na população medo, ansiedade, insegurança… Mexe com a noção de imprevisibilidade, não só em relação ao comportamento do vírus em cada pessoa atingida mas também no que diz respeito ao futuro da carreira, do sustento e dos negócios. São incertezas que elevam a propensão a transtornos psiquiátricos e geram um evento traumático coletivo, numa dimensão nunca antes vista.
Sabemos que eventos traumáticos podem levar a fobias. E o termo “coronofobia”, criado no fim de 2020, traduz uma ansiedade grave diante do vírus e da pandemia. Ela é classificada como um medo extremo de contrair a infecção e tem sintomas de ordem física, psicológica e comportamental.
Nessas circunstâncias, um simples espirro ou uma tosse esporádica suscitam uma preocupação irracional: “ah, estou com Covid-19!”. Por isso, precisamos prestar atenção no corpo mas sem deixar de avaliar se aquele pânico se sustenta ou é desproporcional aos fatos.
Alguns dos sintomas físicos comuns à coronofobia são: palpitações, dificuldades para respirar e prejuízos no sono. No âmbito emocional, o fóbico se sente triste, culpado ou com medo além da conta — por si e pelos familiares. Entre os reflexos comportamentais, há um pavor de tocar em superfícies e a procura frequente do médico com a suspeita de estar doente.
O olhar para a saúde e a tomada de cuidados recomendados pela OMS são altamente positivos, mas, se houver uma preocupação irracional, levando a comportamentos de controle (aferir a temperatura ou a frequência cardíaca toda hora, ficar indo ao hospital sem motivo…), talvez seja a hora de procurar um profissional de saúde e relatar o que está acontecendo.
O Ministério da Saúde realizou uma pesquisa com 17 491 brasileiros com idade média de 38 anos, variando entre 18 e 92 anos, durante os meses de abril e maio de 2020, quando as mortes pelo novo coronavírus aumentaram. O levantamento revelou que oito em cada dez estavam sofrendo com sintomas de ansiedade.
Outro estudo, que reuniu diversas universidades brasileiras, mostrou que o impacto negativo da pandemia na saúde mental foi ainda mais pesado entre jovens e mulheres, além de pessoas com diagnóstico prévio de algum distúrbio mental e dos grupos de alto risco para a Covid-19. Paralisação das atividades, restrição aos encontros e ao entretenimento, medo de pegar ou transmitir o vírus… Tudo isso mexe com a cabeça.
A pandemia por si só já nos assola com preocupações e sofrimentos reais. Mas, quando perdemos o controle emocional da situação, ficamos expostos à coronofobia e a um medo que mais prejudica do que resguarda. Para essa condição, profissionais de saúde podem prescrever psicoterapia, medicamentos ou fitoterápicos, caso da passiflora. Com acolhimento e orientação especializada, podemos minimizar esse outro problema da pandemia.
* Rita de Cássia Salhani Ferrari é médica geriatra formada pela Universidade Federal de São Paulo, com fellowship no Geriatric Medicine Program da Universidade da Pensilvânia (EUA), e responsável pelo Departamento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Marjan Farma