A vida após o câncer
No Dia Mundial de Combate ao Câncer, dois especialistas falam sobre os avanços do tratamento e sobre os sobreviventes dessa doença
Em 2023, segundo dados da American Cancer Society, observamos um aumento da incidência no diagnóstico de câncer, mas com uma progressiva queda da mortalidade. Fato que pode ser explicado por dois motivos importantes: o aumento da detecção precoce possibilitado por programas de rastreamento (por exemplo, mamografia para câncer de mama) e o desenvolvimento de novas terapias.
Nos últimos anos, houve a liberação de novas moléculas para o tratamento do câncer, algumas com impacto importante para o controle e até a cura da doença. A imunoterapia contra o melanoma – o tipo mais agressivo de câncer de pele – é um bom exemplo de como essas novas terapias podem trazer bons prognósticos mesmo diante de doenças agressivas.
Outro exemplo é a terapia alvo-específica. Tratam-se de pequenas moléculas que bloqueiam receptores que ficam na célula tumoral, permitindo uma melhor resposta.
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Mais recentemente, surgiram também os ADCs, que são uma combinação entre a terapia-alvo e a quimioterapia. Ou seja, uma molécula guiada viaja até o câncer e, uma vez lá, libera o quimioterápico.
Temos também inovações importantes quando falamos de exames. Alguns deles nos ajudam em decisões importantes, como qual a melhor terapia alvo para alguns tipos de câncer, ou qual o regime ideal de quimioterapia.
Esses avanços permitiram o aumento da taxa de cura e o melhor controle da doença metastática (que se espalhou para outros órgãos). Com isso, aspectos não muito discutidos no passado tornam-se fundamentais atualmente.
Autoimagem, humor, fertilidade e trabalho são exemplos importantes no planejamento do tratamento e seguimento do paciente oncológico. Ora, agora uma pessoa diagnosticada com câncer tem uma chance maior de viver por muitos anos – portanto, o cuidado com ela deve contemplar aspectos de longo prazo.
Há até um termo em inglês que aglutina todos esses conceitos: survivorship.
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A maioria dos pacientes acredita que sua vida será totalmente diferente após o término de um tratamento oncológico. Mas essas mudanças são diferentes entre os pacientes e, às vezes, surpreendentes.
O seguimento após o término do tratamento pode trazer ansiedade, mas, quando realizado com suporte multidisciplinar, a maior parte dos pacientes acaba encarando a vida de maneira mais positiva, fortalecendo laços de amizades e familiares.
Uma experiência comum entre essas pessoas é a sensação que o tratamento nunca acaba, a incerteza sobre o futuro e o medo da doença retornar.
Dessa maneira, o cuidado com os aspectos do humor deve estar presente desde o início do cuidado.
Outro detalhe importante é a fertilidade. Muitos tratamentos oncológicos podem impedir ou dificultar a chance de ter um filho. Mas, atualmente, frequentemente conseguimos com segurança possibilitar para pacientes a realização desse sonho através do aconselhamento de fertilidade.
Alguns efeitos colaterais podem permanecer após o término de tratamento, como alteração de sensibilidade e diminuição de movimentos dos membros após cirurgias, mas todos podem ser minimizados durante o seguimento.
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E as mudanças de hábitos têm um papel importante aí. Um bom exemplo é atividade física que, quando sob orientação, ajuda no controle de sintomas como dores articulares e fadiga, além de favorecerem o controle do peso e melhorarem o humor.
Importante lembrar que participar de grupos de suporte permite uma troca de experiências fundamental no entendimento de toda jornada do tratamento e seguimento após ele. O paciente deve manter seus planos de carreira e, principalmente, de vida.
O entendimento que, em muitos casos, o tratamento ocupará apenas uma parte determinada da vida da pessoa pode motivá-la a continuar com seus planos. Óbvio que isso se torna possível quando o paciente é orientado, ou, em termos técnicos, navegado durante a jornada.
O tratamento deve ser encarado como uma maratona e, durante o processo, o paciente terá todo um time dedicado ao seu cuidado.
*Antônio Cavaleiro de Macedo Lima Filho é coordenador da oncologia do Hospital Santa Catarina – Paulista e Aumilto Augusto da Silva é oncologista e coordenador do Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital Santa Catarina – Paulista.