O câncer colorretal nos desafia porque é um tumor de instalação lenta, mas que continua matando muita gente. A doença, que surge a partir de um pólipo no intestino, cresce anos silenciosamente sem dar sintomas, até que episódios de diarreia, sangramento nas fezes e dores começam a chamar a atenção.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), é o quinto tumor mais diagnosticado (40 mil casos por ano) e o quarto que mais mata no Brasil (9 mil mortes por ano).
Ele afeta todas as classes sociais, mas aparece em maior frequência em homens do que em mulheres e também em regiões mais desenvolvidas, onde há maior consumo de alimentos processados. O envelhecimento e maus hábitos alimentares levam a projeções de crescimento acelerado na incidência e na mortalidade pela doença.
Para entender sua origem, tenhamos em mente que o intestino é um órgão tubular e oco, com 6 metros de comprimento, cuja extensão final de 1,5 metro até a borda anal é chamada de cólon. O órgão é revestido internamente de uma camada de células que têm múltiplas funções, como participar da digestão e da absorção dos nutrientes (e de água) e da secreção de muco, que facilita o trânsito intestinal.
Ali também ficam células do sistema imune, que convivem com a nossa flora intestinal e reagem a vírus e bactérias estranhas. Alimentos ricos em fibras como frutas e verduras promovem o equilíbrio desse microambiente, enquanto alimentos ricos em gorduras saturadas, carne processada, corantes, álcool, produtos químicos, antibióticos e cigarro modificam o equilíbrio da microbiota.
A exposição prolongada a esses fatores de risco provoca mutações no DNA das células do intestino, desencadeando uma proliferação celular anormal, fenômeno que leva à formação dos pólipos. Eles são elevações na parte de dentro do cólon.
Uma analogia para compreender os pólipos é imaginar como se fossem cogumelos nascendo em meio a um gramado verde e plano. O cogumelo pode crescer, com a base mais larga ou estreita, a ponto de obstruir a luz do intestino e gerar sintomas como diarreia persistente, constipação, alteração na cor e na espessura das fezes… E parte desses pólipos pode se quebrar e sangrar ou induzir a produção excessiva de muco.
Por isso conhecer seus hábitos intestinais e observar com regularidade como estão suas fezes é tão importante. Qualquer anormalidade, ainda mais se não for passageira, justifica uma consulta médica.
Mais grave ainda é a profundidade do pólipo no intestino, quando ele ultrapassa os limites superficiais. Agora estou falando de formações que passam pela parede do intestino e comprometem linfonodos (gânglios linfáticos), vasos sanguíneos e outros órgãos nas redondezas.
Nessa fase, o câncer pode se disseminar para outras áreas do organismo, tornando o tratamento mais difícil e sofrido para o paciente. Em geral, precisamos recorrer a sessões de quimioterapia e outras estratégias mais caras e prolongadas.
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Antecipando-se ao perigo
Os sinais e sintomas do câncer colorretal descritos acima estão presentes em 70 a 95% dos casos em estágio mais avançado. Sangramentos nas fezes devem ser investigados imediatamente. Não se pode assumir que é apenas uma hemorroida, por exemplo; muitas vezes, nessas circunstâncias, semanas ou poucos meses separam uma lesão cancerosa curável de uma incurável.
Assim, para prevenir essa doença séria, devemos promover um ambiente saudável para as células do intestino, o que inclui uma alimentação mais natural e fresca, rica em fontes de fibras, e realizar exames periódicos para flagrar e extrair eventuais pólipos formados ao longo da vida.
Um em cada sete casos de câncer colorretal ocorre antes dos 50 anos de idade, e a incidência em pacientes jovens vem crescendo. Nas últimas três décadas, o surgimento da doença antes dos 50 anos subiu 45%, sendo que entre 10 e 20% dos casos são atribuídos a uma origem hereditária, e o restante a fatores de risco comportamentais e ambientais, aos quais estamos nos expondo cada vez mais precocemente.
Nas grandes cidades, principalmente, o sedentarismo, a obesidade e o consumo de alimentos processados, ricos em gordura saturada, são vistos com frequência entre crianças e adolescentes.
A colonoscopia é o exame que possibilita olhar com uma lupa o tapete de células intestinais em busca de alterações suspeitas. Deve ser feita em qualquer indivíduo a partir dos 45 anos de idade. Daí em diante a frequência de repetição do exame vai depender do que se encontra inicialmente.
Pessoas com história familiar de câncer colorretal devem iniciar a rotina de colonoscopia mais cedo, antes dos 45 anos.
Os pólipos precisam ser retirados e enviados para análise pelo patologista. É no microscópio que se avalia o grau de anormalidade (atipia nuclear) das células, o que irá definir os intervalos da colonoscopia a cada cinco anos, três anos ou menos, a depender dos achados e dos fatores de risco individuais.
Esses pólipos podem ser pequenos, com alguns milímetros, ou já representarem lesões de vários centímetros. Enquanto não invadirem as camadas mais profundas da parede intestinal, o tratamento será sua retirada na própria colonoscopia ou por meio de uma cirurgia, com amplo potencial curativo.
Quanto mais pólipos forem encontrados e eliminados, melhor para a prevenção. Se a formação for grande, será necessário estudar com detalhe seus troncos e partes mais profundas ao microscópio para determinar se houve ou não invasão dos tecidos (algo que às vezes tem de ser feito no hospital).
Saiba, porém, que um pólipo de alguns milímetros pode levar anos (até mais de uma década) para progredir e virar um câncer avançado. Percebe o papel dos exames?
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Atenção à colonoscopia
A colonoscopia é um exame eficaz e seguro. Complicações são observadas em um em cada mil exames. O procedimento requer um preparo para se esvaziar completamente o intestino no dia anterior, e os equipamentos só existem em hospitais ou clínicas especializadas. A capacidade dos profissionais de procurar, biopsiar e retirar os pólipos no exame fazem diferença.
Um bom colonoscopista está preocupado em encontrar o maior número de pólipos possível para personalizar a prevenção. Até mesmo algoritmos de inteligência artificial têm sido investigados para aumentar a detecção dessas pequenas estruturas nas colonoscopias. É importante saber se você tem pólipos, quantos e de quais tipo. Eles dão um retrato do seu risco de câncer colorretal.
A questão é que a desinformação, a vergonha, o preconceito e a falta de acesso associados à colonoscopia dificultam a ampla implementação do exame na população, o que contribui para a alta mortalidade pela doença.
Uma alternativa mais simples e barata, mas não tão eficaz, de rastrear a enfermidade é a pesquisa de sangue no exame de fezes. Se há sangue nas fezes, pode ser que exista alguma lesão relevante e a colonoscopia deve ser realizada a seguir. Se o resultado for negativo, há uma probabilidade muito menor que exista algo preocupante. Só que esse exame não diferencia lesões precoces de avançadas nem ajuda a estabelecer o risco individual para o futuro.
Há poucas semanas, um estudo conduzido em países europeus e publicado no respeitado periódico The New England Journal of Medicine questionou a validade da colonoscopia como método de rastreamento populacional. Nessa análise, a redução da mortalidade em dez anos foi de 18%, muito abaixo do que havia sido mostrado por trabalhos anteriores.
Os resultados foram amplamente questionados pela comunidade científica e sociedades de especialistas porque:
1) menos da metade dos indivíduos convidados a fazer colonoscopia compareceu ao exame;
2) o número de pólipos encontrados nos exames foi abaixo dos 25% considerado adequado para colonoscopistas experientes.
Assim, a comunidade médica continua recomendando a colonoscopia por se tratar de um método efetivo de rastreamento, sobretudo quando o paciente comparece, o preparo é adequado e o profissional, experiente. Mas também reconhece a dificuldade de implementá-la em nível populacional.
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Progressos no tratamento
Os tratamentos do câncer colorretal evoluíram, tanto os cirúrgicos, que estão menos invasivos, como os medicamentos de uso sistêmico, mais inteligentes e direcionados de acordo com as características moleculares do tumor. A radioterapia também está mais precisa e menos tóxica.
No entanto, sabemos que são tratamentos que trazem desconforto e impactos sociais quando a doença se encontra avançada. O fato é que mesmo pacientes com câncer metastático (quando já se espalhou para outras regiões) ganharam sobrevida com esses progressos. Buscamos agora protocolos terapêuticos que adicionem mais qualidade de vida à balança e evitem cirurgias quando elas não oferecem tantos benefícios.
Ponto pacífico é melhorar a prevenção e o rastreamento dos tumores intestinais. Por ora, o cenário ideal contempla detectar mais cedo e mais frequentemente os pólipos para não pegarmos tantos casos em estágio adiantado. A mudança de hábitos alimentares também ajuda a salvar vidas.
No futuro, talvez seja possível usar outros métodos, como exames de sangue ou exames de imagem menos invasivos, para o rastreamento.
Aos gestores e responsáveis pelas políticas de saúde, fica o convite para entendermos os motivos na falha do rastreamento, mesmo quando os exames são acessíveis, e expandir o número de brasileiros avaliados, além do estímulo a um padrão alimentar mais saudável, o que passa por incentivos à cadeia de alimentos naturais e frescos e à redução no consumo de comida processada.
Retomando, o câncer colorretal progride silenciosamente por anos e não podemos esperar pelos sintomas para agir. Precisamos sensibilizar as pessoas e o sistema a fazer mais rastreamentos com colonoscopia e a combater fatores de risco como má alimentação e obesidade.
Não fazer nada nos levará a assistir a uma escalada na incidência e na mortalidade da doença no Brasil.