Cuidando do coração na cadeira do dentista
Embora os mecanismos não estejam claros, já se sabe que muitos problemas cardíacos têm origem na boca
O descuido com a saúde bucal ocasiona muito mais do que inflamações locais ou prejuízos na estética dentária: configura uma porta aberta para doenças periodontais e para o desenvolvimento de patologias sistêmicas. Entre elas, destacam-se a aterosclerose, maior responsável por doenças cardiovasculares (DCVs); a endocardite, infecção do revestimento interno do coração; e o acidente vascular cerebral (AVC).
Estudos demonstram que cerca de 45% das cardiopatias e 36% das mortes por problemas cardíacos podem ter origem na boca.
Por isso, a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) – entidade que agrega multiespecialidades, defendendo um olhar plural sobre o paciente – traz o alerta de que doenças bucais exigem atenção não só de dentistas, mas principalmente de cardiologistas, clínicos gerais e profissionais da saúde. Todos devem entender que o comprometimento na boca pode ser apenas a primeira peça de um efeito dominó que chega até o coração.
Em linhas gerais, apesar de ainda não haver consenso entre os pesquisadores, tudo leva a crer que a saúde bucal e as DCVs estão conectadas pela disseminação de bactérias – e outros micro-organismos –, que partem da boca em direção a outras áreas do corpo por meio da corrente sanguínea.
Quando agentes nocivos alcançam o coração, aderem a qualquer área lesionada e causam infecções. Essa modalidade é conhecida como endocardite infecciosa, caracterizada pelo crescimento de bactérias nas paredes internas do órgão, agravando ou gerando sequelas ao paciente com doença cardiovascular. Altos índices de mortalidade e morbidade são observados nesse caso.
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Estudos defendem que a doença periodontal (que acomete o tecido de suporte e sustentação da boca) pode induzir uma hiperlipidemia, favorecendo o aumento dos níveis de triglicerídeos séricos, colesterol total e LDL. Outras teorias sugerem a existência de um mecanismo genético que faz a ponte entre a periodontite e a aterosclerose.
A falta de um denominador para explicar a interdependência entre boca e coração não é por acaso: as infecções bucais têm uma microbiologia complexa e estão associadas a níveis elevados de citocinas, proteínas que afetam o comportamento das células.
A periodontite é o estágio mais avançado da doença periodontal, e pode ser acentuada devido à má higiene bucal e/ou uso excessivo de medicamentos que reduzem a produção de saliva.
Alguns fatores que contribuem para o desenvolvimento da periodontite são comuns às DCVs, como obesidade, histórico familiar, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e doenças que afetam o sistema imunológico, como diabetes. Mau hálito, edema (inchaço), sangramentos gengivais e sensibilidade excessiva estão entre as possíveis consequências pontuais do problema.
Cortando o mal pela raiz
Mas, se por um lado não há consenso de como se estabelece a ligação entre infecções bucais e coração, é de senso comum que prevenir e tratar a doença periodontal reduz consequências cardiovasculares.
Vários ensaios clínicos atestam que a manutenção de uma boa saúde bucal representa uma ferramenta preventiva da aterosclerose e de suas complicações.
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Dessa forma, é crucial que médicos, dentistas e pacientes entendam a associação entre doença periodontal e problemas cardiovasculares. É comprovado que um tratamento abrangente para periodontite e o restabelecimento da saúde bucal ajudam na redução de inflamações gerais no corpo.
O diagnóstico e o tratamento das doenças periodontais são importantes para a manutenção da saúde bucal e cardíaca, impactando positivamente na prevenção das DCVs, que causam pelo menos 400 mil óbitos todos os anos, mais do que o câncer, doenças respiratórias e mortes violentas.
Ao fazer das visitas à cadeira do dentista uma rotina, contribuímos para manter uma distância segura dessas estatísticas alarmantes – e não endossamos o ditado de que os peixes morrem pela boca.
*Frederico Buhatem Medeiros é doutor em patologia bucal e estomatologia pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor científico do Departamento de Odontologia da Socesp e João Fernando Monteiro Ferreira é presidente da Socesp.