HIV: baixa adesão a tratamento na pandemia ameaça conquistas
No início do mês de conscientização sobre HIV/Aids, médico discute como a pandemia atrapalhou o tratamento da doença
Já sabemos que, infelizmente, a pandemia de Covid-19 colaborou muito para afastar as pessoas dos consultórios, dos ambulatórios e das rotinas de exames. Nesse contexto, destaco o cenário dos pacientes vivendo com HIV.
Desde 2020, nós, infectologistas, observamos uma queda preocupante no acompanhamento da doença por parte de quem já está diagnosticado. Além disso, também houve diminuição da testagem, o que é um problema porque atrasa o diagnóstico e, consequentemente, o início do tratamento. Isso aconteceu em todo o mundo.
Em 2021, completamos 25 anos da disponibilização das terapias que controlam o HIV pelo SUS, propiciando uma vida normal ao paciente. Só que essa baixa adesão ao tratamento e a falta de acompanhamento da evolução da infecção ameaçam seriamente as conquistas obtidas até aqui.
O isolamento social nos últimos meses, a dificuldade de deslocamento das pessoas aos ambulatórios e o aumento do desemprego, que compromete a vida financeira, são fatores determinantes para esse fenômeno. Além disso, temos as próprias vulnerabilidades sociais dessas populações.
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No entanto, é importante ressaltar que todas as conquistas só foram possíveis justamente por causa da adesão, ou seja, a presença frequente dos pacientes nas consultas, a realização de exames periódicos, o comparecimento para a retirada da medicação e o seu uso correto, contribuindo, assim, para a contenção da epidemia iniciada nos anos 1980.
Já há alguns estudos, como um realizado na África do Sul, mostrando que os prejuízos causados pela Covid-19 podem limar uma série de feitos em relação ao avanço do tratamento do HIV.
É possível afirmar que a epidemia de HIV no Brasil está estabilizada, apesar de ainda registrar de 30 a 40 mil novos casos por ano. Temos desafios enormes pela frente, principalmente junto às populações mais vulneráveis. Mas eles podem aumentar por conta desse momento crítico que atravessamos.
Quando o paciente vai aos centros de referência, ele toma as vacinas necessárias, faz a prevenção de outras doenças e, ainda, a checagem de exame de sorologia das demais infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
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Hoje é absolutamente comum o paciente de HIV levar uma vida normal. O tratamento consiste em poucos comprimidos, com efeitos adversos mínimos, e a expectativa de vida é a mesma de quem não tem o vírus. Então, vive-se com qualidade graças aos medicamentos disponíveis, que são seguros e eficazes.
As terapias tornam o vírus indetectável, o que significa que esses pacientes podem manter relações sexuais sem o risco de transmitir o HIV para os seus parceiros (o que não dispensa os cuidados de sempre). Também podem ter filhos, se desejarem, porque o vírus não passa para o bebê quando não é detectável.
Eu gosto de dizer que muitos horizontes se abriram depois do surgimento das novas drogas que controlam o HIV. O cenário hoje é muito diferente do que se via há 30 anos, quando a infecção era quase uma sentença de morte. Por isso, é necessário insistir para que as pessoas voltem para o tratamento e o seguimento regular.
Quando há uma interrupção, o vírus volta a replicar, a imunidade começa a cair e o paciente fica suscetível a contrair doenças oportunistas, como a tuberculose, que colocam a vida em risco. A descontinuação gera consequências bastante danosas, principalmente se for muito prolongada. Então, é hora de trazer essas pessoas de volta ao tratamento, (re)iniciar a terapia antirretroviral e fazer os exames.
Os revezes da Covid-19 podem, sim, refletir na piora dos indicadores do HIV no Brasil e lá fora, e isso nos convoca a agir com ainda mais esforço. Não podemos interromper ou até voltar atrás depois de todo o trabalho e das conquistas alcançadas em tantos anos de luta com o vírus e a doença.
* Álvaro Furtado é infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do Centro de Referência e Treinamento em IST/HIV Santa Cruz, na capital paulista