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Embutidos: por que não dá para defendê-los

Embora os conceitos de vilão e mocinho estejam ultrapassados na nutrição, vira e mexe salsicha, presunto e afins entram na berlinda

Por Regina Célia Pereira
Atualizado em 13 abr 2020, 13h58 - Publicado em 10 abr 2020, 11h00
embutido faz mal para saude
Sem moderação, salsicha, salame e afins prejudicam o organismo. (Ilustração: Eber Evangelista/SAÚDE é Vital)
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Com coronavírus e recomendações de isolamento social, alimentos prontos, baratos e com grande prazo de validade viram o centro das atenções nos mercados. Não é à toa que os embutidos tendem a lotar os cestos e carrinhos por aí.

Antes que alguém pense que eles são uma invenção moderna, já se vão mais de 4 mil anos que o homem usa métodos como a salga e a secagem para preservar e comer a carne do dia a dia. A inspiração para a receita teria vindo da observação de animais mortos que demoravam a apodrecer nas áreas próximas ao mar — a mistura da salmoura com o calor do sol estancava o crescimento de micro-organismos.

Com o tempo, outros processos e substâncias foram incorporados. “Se antes o presunto era basicamente o pernil do porco temperado com sal, hoje a lista de ingredientes costuma ser extensa”, diz o nutricionista Fábio Gomes, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

O acréscimo de tantos aditivos está associado a cada vez mais estudos ligando o consumo das chamadas carnes processadas a problemas de saúde. Após revisar as evidências disponíveis, cientistas da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês) colocaram os embutidos junto do tabaco e do amianto na classificação de agentes cancerígenos.

“O relatório mostra que o consumo diário de 50 gramas de carne processada aumenta o risco de câncer colorretal em 18%”, destaca a nutricionista Bruna Pitasi Arguelhes, do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Achados como esse estão por trás de uma orientação dada por muitos profissionais de saúde: deixar, se possível, linguiça, salsicha, frios, nuggets e hambúrgueres prontos fora da rotina. “Não há recomendação segura para a ingestão”, afirma Bruna. O conselho é saborear só em festas, passeios ou experiências gastronômicas.

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Mas e em tempos de confinamento? Para quem não conseguir evitar, a nutricionista Vanderli Marchiori, consultora da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), sugere: “Melhor optar por aqueles que carregam menos gordura e mais proteína. E nada de exagerar”. Tudo isso dentro de um contexto equilibrado: com frutas, verduras, cereais… Não é um pedaço de linguiça no feijão que vai botar tudo a perder.

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(Ilustrações: Eduardo Pignata/SAÚDE é Vital)

A professora Bernadette de Melo Franco, do Centro de Pesquisa em Alimentos, da Universidade de São Paulo (FoRC-USP), explica que a carne processada é aquela transformada por preparos como cozimento, salga, cura, fermentação, defumação, entre outros. “Os procedimentos resultam em melhoria de textura, sabor ou vida útil”, resume.

Tem tudo a ver com o que se conhece como charcutaria, ou seja, técnicas antigas que permitiam aos viajantes europeus desbravar terras distantes e ter fontes de proteína animal disponíveis por longos períodos. “Engloba produtos que são chamados, genericamente, de embutidos ou frios”, comenta Bernadette.

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Entretanto, para tornarem-se um embutido de verdade, as carnes devem ser picadas, moídas, batidas e acondicionadas em uma espécie de tubo comestível — caso de salsicha e linguiça. Pela tradição, os invólucros são feitos com as tripas dos animais. Apesar do surgimento da geladeira, o gosto por esses alimentos milenares prevalece até hoje. Talvez pela presença de gordura e sal, dois elementos que, sem dúvida, seduzem o paladar.

Nitrito de sódio, um ingrediente polêmico

Na receita das carnes processadas, também é comum ocorrer um tal de nitrito de sódio. “Ele tem ação antimicrobiana e é responsável pela cor rosada característica”, esclarece a professora da USP. Acrescenta ainda um leve sabor picante e retarda a oxidação da gordura, impedindo o ranço. O problema é o efeito em nosso organismo. “Nos estudos, o nitrito está relacionado ao aumento no risco de câncer”, aponta a nutricionista Ana Carolina Cantelli Pereira, do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.

Durante a digestão, quando a substância entra em contato com o suco gástrico, transforma-se em nitrosaminas. Elas, por sua vez, são capazes de favorecer a multiplicação desordenada das células e, por consequência, o surgimento de tumores.

Porém, um estudo recente da Universidade Queen’s, em Belfast, no Reino Unido, questiona se embutidos livres de nitrito também oferecem danos — por isso, sugere que a OMS reavalie suas recomendações. Claro que, quanto menor a quantidade de aditivos, melhor. Ainda assim, não dá para ignorar o impacto negativo do abuso de outros componentes.

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“O alto teor de sal da carne processada pode provocar danos ao revestimento do estômago, levando à inflamação, à atrofia e à colonização pela bactéria Helicobacter pylori, em um mecanismo que aumenta a propensão ao câncer de estômago”, exemplifica Bruna.

Não bastasse, quando o alimento é muito salgado, a pressão arterial tende a subir. Pesquisa publicada na revista científica Jama Internal Medicine, com dados de mais de 29 mil participantes, reforça o elo entre o consumo excessivo de carnes — tanto a vermelha quanto as processadas — e os males cardiovasculares.

A cardiologista Maria Cristina de Oliveira Izar, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, observa que, além de sal, geralmente esses itens contêm as gorduras saturadas ou trans. “O consumo excessivo leva a alterações nos níveis de colesterol capazes de desencadear problemas nas artérias”, diz. A médica enfatiza que é preciso ensinar desde a infância sobre a importância do equilíbrio na alimentação. Logo, salsichas e nuggets, só nas festinhas.

Na conta dos embutidos há ainda a desconfiança, vinda de um trabalho da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, de que a ingestão em grande quantidade contribua para transtornos mentais. “Trata-se de um estudo de associação, portanto não determina as causas”, analisa a nutricionista Lara Natacci, da Dietnet, na capital paulista.

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No entanto, ela explica que exagerar nas carnes processadas pode prejudicar a microbiota intestinal, fator que interfere em todo o organismo, incluindo o humor. Para não acabar com a saúde capenga e de mal com a vida, reserve esses alimentos para ocasiões especiais. Já que o prazo de validade é longo, ninguém precisa devorar correndo.

Artesanal X Industrializado

Há que se considerar que a indústria tem trabalhado para balancear as receitas e reduzir o número de aditivos das carnes processadas, mas é um desafio garantir tempo de prateleira sem esses componentes. Opções artesanais são bacanas nesse sentido, mas vale ter atenção com a qualidade sanitária.

E o modo de preparo pode pôr tudo a perder. Ao deixar tostar em temperaturas altas demais, por exemplo, surgem compostos acusados de aumentar o risco de câncer. Com as famílias reclusas, que tal chamar a criançada e apostar em receitas caseiras de nuggets e hambúrgueres?

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