O coronavírus virou a vida do brasileiro de cabeça pra baixo — e a alimentação não é exceção. Só que, enquanto dois estudos sugerem melhorias nos hábitos à mesa no Brasil, outro aponta pioras. Por que conclusões tão discrepantes? E o que tirar de cada levantamento?
Comecemos pela pesquisa NutriNet, conduzida no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP). Os experts colheram respostas sobre a dieta de brasileiros entre os dias 6 de janeiro e 15 de fevereiro de 2020 e, depois, repetiram o processo entre o 10 e o 19 de maio. Ou seja, há informações de antes e depois da pandemia.
A investigação revela aumentos pequenos, mas significativos, no consumo de verduras e legumes (de 87,3% para 89,1%), frutas (de 78,3% para 81,8%) e leguminosas (de 53,5% para 55,3%).
Essa tendência positiva é reforçada por uma enquete mais recente (feita de 22 de setembro a 6 de outubro), encomendada pela Herbalife Nutrition e conduzida pela One Poll. A “Pesquisa Global Sobre Hábitos Alimentares na Pandemia” abordou 28 mil pessoas de 30 países (mil são daqui) e indica que 50% dos brasileiros afirmaram estar consumindo mais frutas e verduras após a chegada da Covid-19. Já 45% disseram que vem ingerindo mais itens à base de plantas e 43% alegaram reduzir o espaço da carne no cardápio.
O outro lado da dieta nacional
Já um terceiro estudo, a ConVid Pesquisa de Comportamentos, traz conclusões diferentes. A partir de questionários preenchidos por 44 mil brasileiros, os cientistas notaram uma maior dificuldade de consumir alimentos saudáveis cinco vezes ou mais por semana. O trabalho, conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Minas Gerais, conclui:
• 33% das pessoas afirmaram consumir legumes e verduras cinco vezes ou mais na semana durante a pandemia, contra 37,3% antes dessa crise
• No caso das frutas, o número caiu de 32,8% para 31,9%
• Quanto às leguminosas, 31,9% disseram comê-las cinco vezes ou mais por semana durante a pandemia. Mas 32,8% alegaram que tinham esse hábito positivo antes do desembarque do coronavírus
Além disso, a pesquisa revela um crescimento no consumo de alimentos ultraprocessados, que são ligados a diferentes problemas de saúde:
• 10% dos voluntários admitiram ingerir congelados (como pizzas, lasanhas e pratos prontos) em dois ou mais dias na semana antes da pandemia. A taxa aumentou para 14,6% durante a pandemia
• Quando o assunto são salgadinhos de pacote, o índice subiu de 9,5% para 13,2%
• Por fim, o consumo de doces (que incluem chocolates, biscoitos e pedaços de tortas ou bolos) foi de 41,3% para 47,1%.
Parte dessa diferença entre os estudos pode ser explicada pela forma com a qual os pesquisadores questionaram os voluntários. Ora, métodos diferentes trazem dados diferentes.
Mas outro ponto importantíssimo é o perfil dos entrevistados — e daqui podemos tirar ensinamentos. O próprio relatório do estudo NutriNet, da USP, admite que o trabalho da Fiocruz selecionou um grupo de respondentes com características sociodemográficas mais representativas de toda a população adulta do Brasil.
No caso da NutriNet, 78% do público analisado era composto por mulheres e quase 80% morava no Sul e no Sudeste. Conclusão: estamos falando de um grupo mais feminino e rico do que a média nacional.
Isso sugere que as mulheres podem se cuidar melhor em tempos de pandemia e que o dinheiro é importante para manter a alimentação saudável, especialmente numa crise que afetou a economia.
A habilidade feminina de não deixar o coronavírus sabotar a dieta parece ser confirmada por outro estudo da USP — esse conduzido pela Faculdade de Medicina da instituição. Focado apenas em mulheres (74,5% da região Sudeste), ele coletou respostas de 1 183 participantes entre junho e setembro de 2020. Os dados mostram que elas estão cozinhando mais, abandonando dietas radicais e reduzindo a ingestão de álcool.