Na Europa do século 18, uma epidemia parecia emergir das plantações de arroz. Ninguém sabia ao certo a origem da condição, que provocava febre, calafrios, dores e até morte. A única pista era o alto número de acometidos nos arredores dos arrozais, que, por causa disso, acabaram ilegais em terras italianas e portuguesas durante quase 50 anos. Só muito tempo depois o mistério foi desfeito: o responsável pelo pânico todo era um mosquito, e a doença em questão era a malária.
Eis que, nove décadas após a identificação do vilão, os terrenos alagados usados no cultivo do grão voltaram a gerar receio e discussão. A polêmica da vez, difundida pela internet, envolve a presença de uma substância tóxica no cereal.
“Apesar de contribuir para o crescimento do arroz, a inundação potencializa sua contaminação por arsênio, metal pesado existente no solo”, explica Bruno Batista, professor de química analítica da Universidade Federal do ABC, na Grande São Paulo.
Ocorre que a exposição crônica a esse composto aumenta o risco de câncer e doenças do coração. E olha que ele está na água, no ar e até em alguns pesticidas. Ou seja, mesmo o cultivo em áreas secas não estaria isento do problema. Mas muita calma antes de jogar fora a panela de arroz.
“Nos últimos 15 anos, o limite imposto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) caiu de mil para 300 nanogramas de arsênio por grama do grão”, destaca Batista. E estudos realizados pelo químico apontam que a média que chega ao nosso prato é de 222 nanogramas por grama. Portanto, o arroz que o brasileiro consome é seguro.
No entanto, tem gente lá fora que não bota muita fé no grão a despeito de ele ser branco ou integral. Andy Meharg, professor de ciências biológicas da Queen’s University of Belfast, na Irlanda do Norte, acredita que, em função do metal pesado, o arroz exige moderação, especialmente entre as crianças. “Em longo prazo, o arsênio pode comprometer o desenvolvimento físico, neurológico e imunológico”, alerta.
Desde 1999, ao retornar de uma viagem a Bangladesh, ele tenta encontrar alternativas para deixar o arroz mais saudável. O solo e a água dos países asiáticos estão entre os que apresentam maior índice da substância – daí o bafafá que ganhou a rede.
Meharg descobriu que a maneira como se prepara o grão ajuda a liquidar o arsênio ali escondido. De acordo com seus experimentos, utilizar duas partes de água para uma do alimento e deixá-lo ferver até evaporar é um erro. “Aumente a quantidade de líquido para cinco medidas, retire o excesso quando atingir o ponto, e o nível de arsênio cairá quase pela metade”, ensina.
Polêmicas internacionais à parte, não dá pra discutir a popularidade que o arroz mantém entre os brasileiros. “Anualmente, 12 milhões de toneladas são produzidas no país. É a maior quantidade registrada fora da Ásia”, afirma Andressa Silva, diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), no Rio Grande do Sul, que hoje lidera com folga o ranking dos estados que mais contribuem para alcançarmos essa marca tão expressiva. Santa Catarina aparece em seguida.
O consumo por aqui também continua inabalável. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estima que cada cidadão coma 46 quilos de arroz por ano. “O cereal foi trazido pelos colonizadores portugueses e o grão logo caiu no gosto dos nativos, tornando-se a base das nossas refeições até os dias de hoje”, conta José Almeida Pereira, pesquisador da área de Fitotecnia do Arroz da Embrapa Meio-Norte, no Piauí. Se não é de agora que o arroz possui lugar cativo à mesa e faz parte da história e do desenvolvimento do Brasil, nada mais justo do que dedicar mais tempo e atenção à compra e ao preparo, certo?
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