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Combata a depressão com a alimentação

Uma novíssima linha de pesquisa mostra que a dieta faz muita diferença na batalha contra o transtorno que abala o humor e a disposição

Por Thaís Manarini
Atualizado em 15 mar 2017, 16h15 - Publicado em 3 mar 2017, 10h03
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O que entra e sai do prato é determinante quando se fala em bem-estar (Alex Silva (foto) e Pedro Hamdan (ilustração)/)
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Até pouco tempo atrás, seria impensável ir a uma convenção de psiquiatras para acompanhar palestras sobre alimentação. Hoje, porém, a nutrição está ganhando terreno no campo dos estudos da mente saudável. Desde 2009, uma linha de investigação traça um elo íntimo entre a composição do prato e o surgimento da depressão.

No último Congresso da Associação Americana de Psiquiatria, houve um módulo todo dedicado a esse tópico. Durante sua exposição, o psiquiatra Drew Ramsey, professor da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, chegou a apresentar uma escala de nutrientes cruciais na prevenção e no combate ao distúrbio.

Segundo ele, ômega-3, magnésio, fibras, zinco, ferro, além das vitaminas C, B1, B9 e B12 devem ser os destaques à mesa para espantar o já chamado mal do século – a cada ano, 100 milhões de pessoas desenvolvem sintomas evidentes da doença. Resumindo, o expert apoia uma dieta rica em folhas verdes, oleaginosas e peixes. “Em alguns estudos, a comida correta diminuiu em 50% o risco de depressão”, conta Ramsey.

De fato, as provas de que a cuca sofre se não prestamos a devida atenção nos alimentos estão cada vez mais fortes. De acordo com a nutricionista e mestre em neurociências Selma Dovichi, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), quando o fornecimento de nutrientes é reduzido, o sistema nervoso, esperto que só, até adota meios alternativos para manter as obrigações em dia. “Mas ele não consegue realizar todas as atividades normalmente”, nota.

Entre as tristes consequências disso estão a menor oferta de neurotransmissores e falhas na comunicação entre os neurônios. São alterações que, segundo a professora, elevam a probabilidade de enfrentar desordens mentais, como a própria depressão.

O padrão alimentar que se sobressai contra as sombras da melancolia é a célebre dieta mediterrânea, farta em pescados, nozes, cereais, grãos integrais, vegetais em geral e azeite de oliva. Ela é a estrela de uma longa investigação com cerca de 7 400 participantes, o estudo espanhol Predimed.

O trabalho é focado em doenças cardíacas, mas os autores também coletaram dados acerca da depressão. Ao se debruçarem especificamente sobre esse recorte, estudiosos da Sociedade Internacional para Pesquisa em Nutrição Psiquiátrica (ISNPR, na sigla em inglês) notaram um vínculo nítido entre o menu mediterrâneo e a prevenção do transtorno mental – especialmente entre diabéticos.

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“Uma dieta de melhor qualidade tem sido constantemente associada a um menor risco de depressão”, atesta Felice Jacka, presidente da ISNPR e diretora do Centro de Alimentação e Humor da Universidade Deakin, na Austrália. Para ter ideia de quão palpitante está a área, a ISNPR já marcou para julho de 2017, em Washington, a capital americana, o primeiro congresso internacional para discutir a influência da alimentação nas desordens psiquiátricas. Mais uma prova de que a cabeça tem mesmo suas demandas à mesa.

O ponto forte de uma rotina alimentar equilibrada é evitar que o organismo fique sob estado de inflamação. “Nesse cenário, há a inibição do chamado fator neurotrófico, responsável por estimular a formação de novos neurônios”, explica o médico Sérgio Tamai, da Associação Brasileira de Psiquiatria. Vários experimentos indicam que irregularidades nesse processo (a neurogênese, para os íntimos) incitariam abalos depressivos.

Certos nutrientes têm afinidade especial com a massa cinzenta. O ômega-3, a gordura boa dos peixes, por exemplo, não foi citada à toa na escala do professor Ramsey. Ela é caríssima aos neurônios. Isso porque a membrana deles é formada por ácidos graxos, nome técnico das gorduras.

Se elas forem benéficas, como o festejado ômega-3, essa estrutura se torna mais fluida. “Com isso, as células nervosas se comunicam com facilidade”, esclarece a nutricionista Mariana Passadore, professora do Centro Universitário São Camilo, em São Paulo. Algumas pesquisas até sugerem que, em casos graves de depressão, a suplementação dessa gordura seria bem-vinda.

“Também está claro que a deficiência de vitamina B12, encontrada em carnes, e de ácido fólico, presente em frutas e verduras, é ligada a manifestações depressivas”, informa Tamai. O psiquiatra conta que, às vezes, é preciso mesmo recorrer às cápsulas para corrigir essas falhas.

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Depois, dá-lhe dieta! Mais um nutriente que merece menção é a vitamina C. No Laboratório de Neurobiologia da Depressão da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a equipe liderada pela farmacêutica Ana Lúcia Rodrigues viu que o nutriente não só otimizou a atuação de remédios antidepressivos como isoladamente teve um efeito pró-humor em animais. Em pessoas deprimidas, provavelmente as doses necessárias para isso teriam que ser maiores do que as obtidas por meio da comida. “Mas, para evitar esses sintomas, podemos focar na alimentação”, afirma Ana Lúcia.

“Sempre é vantajoso manter bons hábitos alimentares”, ressalta Gary Wenk, professor de psicologia e neurociências da Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos. Para o autor do livro Your Brain on Food (“Seu cérebro sob a ação da comida”, em tradução livre), os suplementos tendem a ser inúteis em termos de prevenção.

É que o cérebro não responderia a um excesso de vitaminas, minerais e companhia. Por outro lado, Wenk reforça que a massa cinzenta se ressente com a ausência de nutrientes críticos. Os carboidratos estão na lista. Afinal, eles se transformam em glicose, que dá energia para a cachola funcionar. “Dietas que restringem esse nutriente causam um estresse gigante para o organismo”, assegura Mariana. A melhor versão é aquela detectada em frutas, oleaginosas, grãos e cereais integrais.

Alimentos mais naturais e integrais calham de ser cheios de fibras, que também prestam serviço à nossa cabeça. Só que a ação não é tão direta. Ocorre que essas substâncias influenciam, lá no nosso ventre, a composição da microbiota intestinal, deixando-a com um perfil de bactérias positivo.

E já existem evidências contundentes de que povoar a flora com moradoras, digamos, bondosas, não só fortalece o sistema imunológico como favorece o bem-estar cerebral. Acha que é exagero? Pois já se realizou uma experiência em que as bactérias localizadas na microbiota de um sujeito depressivo foram transferidas para o intestino (até então estéril) de um camundongo. “O bicho passou a ficar depressivo”, conta Ana Lúcia.

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O lado triste do cardápio

Tem uma situação que acaba com a felicidade dos entendidos na área. Não bastasse as pessoas deixarem a desejar no consumo de itens saudáveis para a cuca, elas ainda se empanturram de tranqueiras. “Dietas pró-inflamatórias, com alto consumo de açúcar, sal, alimentos refinados e gordura saturada, contribuem para o surgimento de sintomas depressivos”, avisa a farmacêutica da UFSC. Ou seja, encher a fruteira sempre é bacana. Mas também é preciso maneirar em algumas coisas.

Uma dieta com características inflamatórias é tão nociva que as consequências parecem ultrapassar gerações. Quem está de olho nisso é o nutricionista Cristiano Mendes da Silva, do Laboratório de Neurociência e Nutrição da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista.

Após oferecer uma dieta rica em gordura saturada a cobaias durante a gravidez ou a amamentação, ele percebeu que o cérebro dos filhos saiu prejudicado. “Além de atraso no desenvolvimento de certas habilidades, notamos um comportamento mais propenso à depressão”, revela o estudioso. Detalhe: ao contrário das mães, os filhotes não se entupiram de gorduras.

Felice, da ISNPR, encontrou a mesma conexão em um estudo com mais de 20 mil mulheres e suas crianças. “Os filhos daquelas que tinham uma dieta desequilibrada na gestação apresentavam mais atitudes relacionadas a desordens mentais”, descreve. “Entender isso é importante se quisermos prevenir tais doenças”, afirma. Para ela, tem mais uma história que carece de apuração urgente: o papel da comida de verdade no decorrer do tratamento da depressão.

A expectativa é alta nesse campo. Em um estudo realizado nos Estados Unidos, cientistas recrutaram gente mais velha com sintomas depressivos para testar uma nova forma de psicoterapia. “Em geral, essas pessoas têm um risco cerca de 4,5 vezes maior de enfrentar a depressão propriamente dita”, contextualiza Felice.

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Acontece que os autores do trabalho decidiram comparar a tal terapia com um aconselhamento dietético – eles achavam que as visitas ao nutricionista seriam infrutíferas nessa situação. Pois a equipe ficou chocada ao descobrir que modificações à mesa foram tão eficientes quanto a psicoterapia para brecar o avançar da doença.

Agora, Felice dá um passo além. A especialista contou à SAÚDE que realizou a primeiríssima pesquisa no mundo que visa responder se a dieta beneficia pessoas já deprimidas. E os resultados surpreenderam: “Uma dieta próxima à mediterrânea foi altamente bem-sucedida em melhorar a depressão. Estamos animados com os resultados”.

Quem passa por períodos negros também deveria estar. “Seguir uma alimentação saudável certamente dará ao indivíduo recursos extras para sua recuperação”, avalia Selma. Não significa que os remédios iriam para escanteio. Mas, combinados a nutrientes especiais, talvez eles funcionem mais rápido e melhor. Em uma doença limitante como essa, qualquer luz que ajude a sair das sombras é motivo para comemorar – ainda mais se a estratégia em si for uma fonte de prazer.

Tristeza é diferente de depressão

Ficar para baixo de vez em quando faz parte da vida. “É normal sentir tristeza em certos momentos, como quando perdemos alguém. Mas, aos poucos, isso é assimilado e a sensação ruim vai desaparecendo”, explica o psiquiatra Mario Louzã, da Universidade de São Paulo. “Já a depressão muitas vezes não tem uma causa clara”, diferencia.

Além disso, ela se arrasta por tempo maior. Sem falar que a melancolia vem atrelada a outros sintomas, como insônia, perda de apetite, falta de libido, impressão de que nada dá prazer etc. “Para a doença ser diagnosticada, é preciso ter essa gama de elementos”, afirma o médico.

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