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Alimentos “zero gordura trans” na verdade podem conter a substância

Uma brecha na lei permite que uma dose da gordura mais danosa seja adicionada nos industrializados sem um alerta claro ao consumidor. Como detectá-la?

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 18 fev 2020, 10h45 - Publicado em 26 jun 2019, 12h43
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  • O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) divulgou recentemente um alerta sobre a gordura trans, a mais associada a problemas cardiovasculares e de saúde em geral. Em parceria com a Universidade de São Paulo, a entidade avaliou milhares de alimentos industrializados e concluiu que uma parte considerável contém a substância mesmo quando alega ser “zero trans” na embalagem.

    Ela foi encontrada em 18,7% dos 11 mil produtos estudados, mas só 7,4% do total identificou sua presença. Portanto, menos da metade dos itens que contam com essa molécula em sua composição a acusam explicitamente no rótulo.

    Entre os que declararam ser isentos do ingrediente, 11% dos salgadinhos, 9% de produtos de panificação e 8,4% dos biscoitos na verdade carregavam ao menos um pouco de gordura trans. A investigação foi feita em 2017 e o artigo científico está em revisão no momento.

    Cabe destacar que essa aparente discrepância é prevista na nossa regulamentação. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), produtos com até 0,2 grama (g) de gordura trans por porção podem alegar ter 0g na tabela nutricional, aquela que informa a quantidade de cada macronutriente segundo a ingestão diária recomendada. Já os que possuem até 0,1g por porção podem dizer que são “zero” ou “não contém” o ingrediente.

    A quantidade pode ser pequena, mas preocupa

    A indústria alimentícia brasileira já reduziu nos últimos anos o teor de gordura trans utilizada em seus processos. Mesmo assim, ela continua sendo empregada. “Os fabricantes não estão errados, assim por dizer. Eles seguem a legislação vigente, só que as pessoas comem muito mais do que a porção indicada no rótulo”, destaca a nutricionista Regina Pereira, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

    Ou seja, parece pouco que haja 0,1g de gordura trans escondida em uma bolacha, mas o problema é que essa quantia está em uma única porção, não no pacote inteiro. No caso dos biscoitos recheados, por exemplo, uma porção via de regra equivale a três unidades.

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    Além disso, outros alimentos que mastigamos durante o dia podem conter essa inimiga da saúde. Aí, de pouco em pouco, acabamos nos enchendo dela.

    “A gordura trans é muito barata e amplamente utilizada em barrinhas de cereal, balas, bolachas, sorvetes, salgadinhos, margarinas e até para fazer frituras vendidas a preços baixos na rua, como as coxinhas de um real”, destaca Regina. Nesse caso, é usada por ser estável e facilmente reaproveitada.

    Como esse composto não é essencial ao organismo, não existe um nível recomendado de sua ingestão. Ou seja, quanto menos, melhor.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipula que esse ingrediente não deve responder por mais de 1% das calorias totais de uma dieta. Se o indivíduo come 2 mil calorias ao dia, poderia ingerir até 2g de gordura trans ao dia.

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    “Para ter ideia, 25 gramas de biscoito de polvilho de algumas marcas já quase atingem essa quantidade” calcula Regina.

    Como então detectar a gordura trans nos alimentos?

    Não é tão simples, porque a tabela nutricional pode indicar 0g – e ela não está evidente mesmo na lista de ingredientes. O jeito é ler com atenção essa relação de itens utilizados no produto, ficando de olho em termos que denunciam sua presença. Quais?

    “Qualquer coisa que leve a palavra hidrogenada, independentemente de ser óleo ou gordura, é trans”, ensina a Regina. Outras palavras podem indicar a presença dela (embora nem sempre isso seja verdade). São eles: margarina, creme vegetal e gordura vegetal.

    O problema da gordura trans

    Existe uma versão dela encontrada naturalmente em produtos de origem animal, como carnes e leites. Contudo, trata-se de uma dose pra lá de singela (e menos problemática). Quando os especialistas mencionam os danos provocados pela trans, eles se referem à versão hidrogenada, criada pela indústria. É esse tipo que estamos abordando nesta reportagem.

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    Seu consumo está associado ao aumento do colesterol ruim, o LDL, e à redução do HDL, o bom. “A gordura trans favorece a resistência à insulina, o hormônio que coloca o açúcar dentro das células, o que pode levar ao diabetes tipo 2”, ressalta Regina. “Ela ainda estimula a produção de agentes inflamatórios, que causam problemas cardiovasculares”, enumera.

    Segundo a OMS, aproximadamente 540 mil mortes por ano no mundo são atribuídas ao consumo exagerado de gorduras trans industrialmente processadas.

    Uma preocupação global

    A Organização Mundial da Saúde tem como meta eliminar as gorduras trans da indústria alimentícia até 2023. Em maio de 2019, a entidade lançou um alerta sobre o assunto. Segundo a OMS, 110 países ainda não tomaram qualquer atitude para ao menos reduzir a concentração desse composto nas comidas processadas, o que deixa mais de 5 bilhões de pessoas expostas aos perigos de seu excesso.

    Dinamarca, Estados Unidos, Chile e Tailândia estão entre as nações que já adotaram políticas que restringem ou banem de vez a trans das fábricas. Alguns desses locais já parecem sentir na prática a redução das mortes por doenças cardiovasculares.

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    No Brasil, a Anvisa discute atualmente formas de coibir o uso e pode em breve realizar uma audiência pública sobre o tema.

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